sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Pramana

Pramāṇa
Os meios do Conhecimento
Swami Atmananda Saraswati

Tradução, notas e comentários de
Swami Krsnapriyananda Saraswati
Gītā Āśrama
2012



Nota introdutória
É vasto o caminho no Advaita Vedānta, e a compreensão da sua filosofia é notavelmente complexa. Especialmente difícil é para o Ocidente a visão Oriental, cujos paradigmas são descentralizados de instituições e dogmas. Até o presente momento a cultura do Ocidente pensa por um lado analítico, pretendendo organizar o pensamento como se esse fosse possível um armário de arquivos ou coisa do gênero. Mas a dinâmica mental é mais complexa do que o determinismo fixista da metafísica, muitas vezes tão ingênua como a crença em coelhinho da páscoa e papai Noel. Seguindo os princípios da Lógica, quando algo nos é desconhecido deve-se buscar compreender as suas razoes. Mas o viés ethológico ou moral-racional do Ocidente, quase sempre tende a julgar a partir da sua própria visão ou idiossincrasia, não raro caindo num solipsismo cujo fundo de abismo é um niilismo cômico.

O Advaita Vedānta possui uma Teoria do Conhecimento ou Epistemologia Eidética muito avançada, tanto quanto a Matemática da Índia, onde conhecemos (e o quase tudo que conhecemos) é apenas uma pequena amostra da sua profundidade e amplitude. É notável que a visão xenofóbica e egocêntrica do Ocidente prefere desprezar o que não conhece do que curvar-se sobre a sabedoria não nascida na Europa grega. Felizmente, a História é algo possível de acessarmos através da pesquisa; ainda que o véu de crenças e convicções custe a cair diante das notáveis evidências das manipulações ideológicas (principalmente as de cunho religioso), a verdade ainda irá permanecer. Assim então, o leitor tem o convite de dar os primeiros passos na Teoria do Conhecimento do Advaita Vedanta, processo de conhecimento, aliás, milhares de anos das proposições cartesianas, senão ispiraram Descarte, pelo menos o deixaram intrigado. Também penso que este pequeno texto deixará claro que não há nada de místico, misterioso, oculto, ou algum tipo de truque de "espíritos" por detrás da metologia dos Vedas. De novo salientamos, sem a tradição o Sampradaya, todo o conhecimento é um mero 'achismo', porque não possui realização no Atma ou Ser.

Om tat sat
Krsnapriyananda Swami

Cada conhecimento requer “meios definidos” de informações, os quais são chamados de Pramāṇa (no Vedānta). A possibilidade de produção deste conhecimento certo depende apenas de termos utilizado os meios “adequados”. Se alguém deseja ver “formas e cores”, então o meio certo, o qual é aconselhado para isso, são os olhos. Os ouvidos são para os sons. Qual o meio que deveremos utilizar não é definido pela pessoa, mas pelo “objeto” do conhecimento. O conhecimento é chamado vastutantram. Os “vastus” ou objetos, “decidem”, e nós temos que tomar recurso de algum meio particular se desejamos conhecer o objeto. Recorrer a meios errôneos não nos trará o conhecimento do objeto. Se “eu desejo” ver uma estrela, então “eu” tenho que primeiramente conhecer qual é o meio para conhecer a estrela, para realizá-lo.

Para que o conhecimento seja realizado não importa realmente se você é sincero, entusiasta, empenha-se um pouco duramente, ou tenha um pouco de devoção, etc., o conhecimento simplesmente não irá estabelecer-se devido a estas qualidades. Com o devido respeito às boas virtudes, as quais nós as temos como regra, deve-se entender que aquelas não são Pramāṇas para o conhecimento, mas qualidades as quais preparam o buscador do conhecimento, assim, em si mesmos, elas não são suficientes. Se realmente formos sinceros, então o discernimento é um meio correto também.  Quando pegamos o recurso de meios certos, e no exemplo dado, pegamos um telescópio e colocamos nossos olhos no lugar certo, focando o pensamento na direção certa, então, num determinado momento, seja o que você goste ou não, a estrela irá desvelar toda a sua glória. Portanto, antes de iniciar qualquer esforço para conhecer alguma coisa torna-se extremamente importante conhecer o meio exato de conhecimento o qual se aplica naquele contexto.

Os avanços no campo da instrumentação é uma ampla prova do fato exemplificado. No momento em que pegamos o meio correto, o conhecimento está por detrás. Os “objetos” do conhecimento ditam os termos para nós, e nós, sinceramente, olhamos para os meios certos. Para qualquer tipo de conhecimento estabelecer-se há três coisas, de fato, que são requeridas. A disponibilidade do “objeto” do conhecimento, o estado certo da mente do conhecedor, e o recurso de meios certos. Estes são chamados de Prameya, Pramātṛ ou Pramāta e Pramāṇa, respectivamente.

Veremos agora sobre o Pramāṇa
Os seis Pramāṇas
Qualquer conhecimento ou mesmo a existência de um objeto, toma lugar em nossas mentes. A mente torna-se consciente dos vários tipos de “objetos” através das várias “faculdades” disponíveis para isso. O fato de a mente ter várias faculdades a sua disposição mostra-nos que o conhecimento dos diferentes objetos apelam para o recurso de diferentes meios. É extremamente importante que tomemos o recurso dos meios certos, de outra forma, mesmo a existência de um objeto não será evidente para nós. Estes “meios de conhecimento” são chamados de Pramāṇas.

Antes de pularmos dentro do movimento das pessoas que querem saber “todas as diferentes facetas” desta bela benção chamada vida, é extremamente importante que nós, primeiramente, conheçamos quais são todas as faculdades ou então os meios do conhecimento que nós temos disponíveis.

Os professores da filosofia do Advaita Vedānta têm fornecido grandes detalhes sobre este aspecto de processo do conhecimento, enumerando “seis” Pramāṇas. Qual pramāṇa deve ser utilizado para, e também quando, decide-se pela situação e a natureza do objeto relacionado.  Estes seis meios do conhecimento são, 1. Pratyakṣa  (percepção); 2. Anumāna (inferência); 3. Upamāna (comparação);  4. Arthāpatti (postulação); 5 . Anupalabdhi (não-apreensão), e 6. Āgama ou Śabda (palavra autêntica). São estes os seis meios válidos do conhecimento, que estão disponíveis para nós, sendo que nós os usamos consciente ou inconscientemente no nosso dia a dia, para “conhecermos” as várias coisas as quais vêm no nosso caminho. É extremamente importante para nós entendermos cada um destes Pramāṇas apropriadamente, assim não iniciando o uso de um meio incorreto para conhecer um tipo de objeto em particular. Isso é, também, especialmente dirigido para quando nós estamos inquirindo sobre o Ser ou Ātma, o qual é, no final, a verdade transcendental, infinita, não-dual, referida como Brahman nos Upaniṣaḍs. O entendimento adequado dos Pramāṇas não apenas facilita o enfoque ou nossa energia devidamente, mas também culmina no alcançar e na realização do objetivo (do conhecimento sobre ele).
Vejamos cada um dos Pramāṇas antes mencionados:

1. Pratyakśa: percepção implica na cognição imediata ou direta. Há dois tipos de percepção direta, a externa e a interna. A percepção externa implica na cognição dos objetos dos sentidos, chamados: som, toque, forma, gosto e aroma, advindos através dos cinco órgãos dos sentidos (ouvidos, pele, olhos, língua e nariz). Quando os órgãos dos sentidos contatam seus respectivos objetos então o conhecimento Praktyaṣa toma o lugar. A percepção interna é o meio direto e imediato de cognição como dor, prazer, amor, ódio, ira, conhecimento ou ignorância dos vários objetos, etc., em e por nossa mente. Os Ācāryas (mestres do conhecimento) desvelam elaboradamente que, em qualquer percepção direta, a consciência existe no nível da mente da pessoa, que deseja conhecer um objeto, como se fluísse através do seu respectivo órgão do sentido e envolvendo a disponibilidade e  ilustração do objeto. Esta consciência é, desde então, apresentada ao conhecedor na mente como um pensamento do objeto que, então, “conhecesse” o objeto. O processo inteiro é extremamente rápido e implica no envolvimento tanto da mente como do órgão do sentido em toda a percepção direta. Localizado em um lugar o conhecedor percebe, mesmo que distante dos objetos diretamente, desde que eles venham a alcançar os órgãos dos sentidos. A cognição imediata ou direta é uma característica intrínseca do conhecimento perceptual, e não meramente depende dos órgãos de percepção.

Todo o conhecimento de percepção direta é extremamente claro, mas seu escopo é muito limitado. O que nós podemos ver diretamente apenas se constitui num extremamente pequeno “j” no amplo espectro das coisas existentes neste universo; em muitos momentos, o conhecimento direto está longe de ser verdadeiro. Nós temos uma maravilhosa criação diante de nossos olhos, mas nós não vemos um criador diretamente; contudo, como não há um efeito sem uma causa, por conseguinte, lançamos mãos de algum outro meio válido de conhecimento para sabermos que um criador é inevitável. Assim, também, considerando as percepções internas, os pensamentos estão brotando de dentro de nossas mentes, mas não podemos ver diretamente a suas causas, as quais estão aqui de modo inevitável. Além do mais, nós vemos o nascimento do sol, mas supreendentemente nossa experiência interior desvela que jamais o sol nasce. A partir deste pequeno exemplo vemos que há a necessidade de outros meios de conhecimento válido;

2. Anumāna :  a tradução literal de “anumāna” é “conhecimento após”. Ele é, sem dúvida, o método pelo qual o conhecimento é derivado de outro conhecimento. Ele é um conhecimento indireto e mediato. Nós temos conhecimento de uma invariável relação entre duas coisas, e em que base, enquanto vendo uma nós deduzimos a presença de outra. Assim, anumāna refere ao processo lógico de adquirir o conhecimento. O conhecimento que é desta forma adquirido é chamado de conhecimento inferencial ou dedução lógica. A palavra mais próxima de “anumāna” é inferência. Nós dizemos que é uma palavra mais próxima porque há uma delicada diferença entre o processo exato da dedução lógica no pensamento Oriental enquanto comparado com o sistema de dedução lógica Ocidental.

A percepção forma a base de anumāna, mas no cerne de todo o conhecimento inferencial descansa o conhecimento de “vyapti” ou “concomitância invariável”; a invariável relação entre os dois objetos. Nós sabemos que a base de nosso conhecimento perceptivo de que onde há fumaça há fogo (o oposto talvez não seja verdadeira). Tendo conhecido a conexão invariável entre as duas coisas nós poderemos deduzir logicamente a presença do fogo onde nós vemos fumaça. Isso é anumāna.

Em todo o conhecimento inferencial há passos definidos para seguir-se. Os seguintes passos são aceitos para a dedução lógica do conhecimento pelos mestres do Advaita Vedānta:

a)      Evidência perceptual: nós vemos fumaça sobre uma montanha;
b)      Concomitância invariável: onde há fumaça há fogo; como visto numa cozinha;
c)       Conclusão: portanto, há fogo na montanha.

3. Upamāna : tanto os Mimamsakas como Advaitins, definem Upamana – analogia - como o processo pelo qual o conhecimento de A sendo similar a B, adquirido através da percepção de que B é semelhante a A, e o qual sendo visto em outro lugar. Esta metodologia é vista como distinta da mera inferência, e assim aceita como um meio válido de conhecimento. Por exemplo, uma pessoa que é vista com sua vaca , da sua casa, vai a floresta, e vê uma gavaya (uma vaca selvagem sem arreios). A pessoa vê que, semelhantemente, “esta gavaya é como minha vaca”, e sob esta base conclui que o oposto é igualmente verdadeiro, ou seja, “que minha vaca é como uma gavaya”. Deste modo, pelo upamana, ele adquire o conhecimento da semelhança entre sua vaca e a gavaya, através da percepção de que gavaya é semelhante a sua vaca.

Upamana é um meio distinto do conhecimento, e não pode ser batido sob anumana, porque nós não podemos ter uma proposição universal de que uma coisa é ou não semelhante. Tal conhecimento não pode ser adquirido sem a observação de duas coisas semelhantes juntas. Os Advaitins (seguidores do não-segundo ou não-dual; Advaita Vedānta), usam este método de conhecimento para comparação e semelhança, logicamente ligando a natureza de Brahman e as várias outras coisas. É dito que Brahman é resplandecente como o sol. Pela percepção da luminosidade do sol, o buscador pode apreciar o termo como autoluminosidade do Brahman.

4. Arthāpatti : este meio postula a suposição ou presunção de um fato. Ele é um método válido, distinto de conhecimento mediato. De fato, ele é um método de suposição de um fato desconhecido tendo em vista prestar conta a um fato conhecido que normalmente é inexplicável. O exemplo clássico deste método de conhecimento é, por exemplo, uma pessoa gorda “A” dizer que jamais come de dia; então nós facilmente supomos que ela coma a noite, pela simples razão de que sem esta suposição a sua gordura e também o adquirir de peso, não podem ser de outro modo explicado. Arthāpatti tanto pode ser do que se observa ou do que é ouvido. O uso deste método no Vedānta está no assumir a razão das implicações declaradas nos Upaniṣaḍs. Como na citação “O conhecedor do Ser – Ātma – transcende o sofrimento”. Aqui nós vemos que simplesmente o conhecimento destrói o sofrimento, então nós podemos presumir, sem quaisquer dúvidas, que todos os sofrimentos são falsos, e que podem ser destruídos meramente pelo conhecimento. Esta é, então, a suposição.

5. Anupalabdhi : os Advaitins e a escola Mimamsaka de Kumarila Bhatt, observam Anupalabdhi como um Pramāṇa independentemente distinto. Literalmente “anupalabdhi” significa, “não-apreensão”. A não-existência de uma coisa é compreendida por sua não-percepção. Por não ver um jarro num lugar alguém sabe que ele não está ali. Nós utilizamos este método de conhecimento, ademais, muito frequentemente, e isso fica evidente em enunciados como: “Não há professor na sala de aula”; “Não há barulho”; “Estas flores não têm perfume”, etc. Pode parecer paradoxal que a não-apreensão de uma coisa seja um meio para a apreensão de sua não-existência (abhava). Mas de fato, tanto a não-percepção bem como a percepção, servem como meios para conseguir vários conhecimentos, pela simples razão de que o conhecedor está ciente de ambas. Eles conduzem a experiências positivas e negativas. O conhecimento da não-existência de uma coisa pode ser a base do conhecimento direto ou indireto. Pode, também ser a base da nossa percepção imediata de uma cosia ou mesmo a base de inferência ou testemunho verbal. No antecedente, o conhecimento é imediato, enquanto que no caso posterior, o qual aplica-se aos objetos além dos sentidos, o conhecimento do abhava é de uma coisa mediata.

6. Āgama ou Śabda: palavra autêntica, é também conhecido como śabda-pramāṇa, traduzido como “testemunho verbal”.  Āgama é por vezes chamado “āpta-vākya” (citação de uma pessoa respeitável). Uma citação verbal, dita ou escrita, é o meio mais potente para uma pessoa transmitir o conhecimento. No mais das vezes, nós aprendemos através das palavras. Uma mensagem oral ou escrita é um modo universal de comunicação. Constantemente nós adquirimos várias informações, instruções e conhecimento através das palavras. Desde os dias de escola até este momento, nós usamos palavras como meios válidos e efetivos de trazer à consciência as coisas, ideias ou emoções. Livros, revistas, jornais, cartas, conversas, discussões (pela internet), rádio, T.V., filmes, canções, etc., etc., todos usam ou dependem de palavras. Nós não podemos abrir mãos do testemunho verbal.

Um enunciado verbal, conduzindo um conhecimento válido, deverá ter uma origem autêntica, a qual deverá estar livre de defeitos. Apenas uma pessoa “competente”, possuidora do conhecimento, pode transmitir conhecimento preciso. Tal conhecimento não necessita de verificação, a menos, como se sabe, que haja uma dúvida sobre a sua confiabilidade. Se tudo o que conhecemos por testemunho verbal tivesse que aguardar confirmação, então a maior parte do conhecimento humano deverá ser considerado como sem fundamento. Entre os filósofos Ocidentais, apenas uns poucos reconhecem o “testemunho verbal” como um meio válido e independente de conhecimento, mas a maioria dos filósofos indianos aceita-o. Aqueles que não o aceitam como um método independente de conhecimento realizam a sua grande regra simplesmente agrupando-a junto com outros meios, como a inferência, etc. Por outro lado, o processo de conhecimento verbal não deverá ser agrupado com a inferência, uma vez que ele não envolve qualquer conhecimento de concomitância invariável, como no caso da inferência. Portanto, ele é uma categoria por si mesma. É interessante e também compensador, ir para dentro do processo exato de derivação do significado de uma sentença. De vez em quando, há um relacionamento substantivo/adjetivo entre o sujeito e o predicado da sentença o, e as vezes possivelmente não há tal relacionamento, mas uma entidade não-relacional pode formar seu locus (local em si). Tal entendimento torna-se importante quando ele advém da derivação da forma significado de sentenças como, “Tat Tvam Asi” (o que sois). Muito trabalho foi feito considerando a derivação do significado de uma sentença, especialmente pelos Mimamsakas. A combinação de palavras é chama de sentença apenas quando quatro fatores são considerados. São eles, a expectativa (akansa); consistência (yogyata); contiguidade (asatti), e conhecimento do objetivo (tatparya-jñānam). O entendimento de tudo isso facilita para nós a compreensão por que o testemunho verbal é um meio independente de conhecimento, muito diferente da inferência, etc.

Tendo conhecido estes “pramāṇas”, quando um qualificado “pramāta” (conhecedor) utiliza-se daqueles, e foca-se ao “prameya” (objeto do conhecimento), então “prama” ou conhecimento válido é instantaneamente ocasionado. Apenas o conhecimento ocasionado por qualquer meio de conhecimento é válido, não podendo ser e não ser dependente de verificação por outros meios, porque os outros meios não têm como alcança-lo. O conhecimento certo deve possuir indicações definidas e assim a validade dos meios confirma-se pela percepção daquelas indicações no pramāta. Assim, em vez de gastarmos o tempo tentando ver a forma de nosso nariz, deveremos em vez disso, abrir nossos olhos e realizar a intenção. Este é o único objetivo de entender os vários meios e métodos do conhecimento a nossa disposição.




nota: em alguns navegadores a vogal "a" com um traço em cima (duplo aa) aparece um quadrado. 

domingo, 31 de julho de 2011

Argumentos de Sankara contra o Budismo

Argumentos de Sankara contra o Budismo

Texto originalmente escrito por

Daniel H. H. Ingalls (1)



v. 3:4 (1954.01)
pp. 291-306.

Copyright 1954 by University of Hawaii Press

Hawaii, USA

Traduzido e comentado (sob autorização do responsável pelo autor)
por
Swami Krsnapriyananda Saraswati
Gita Ashrma - 2011


Caitanya Brahma (o ātma é a consciência)


Nota Introdutória pelo tradutor
Este texto do prof. Daniel H. H. Ingalls, emérito mestre da universidade de Harvard, hoje falecido, apesar de ter sido escrito a tanto tempo, é atual, original e muito significativo, como todo o texto de Filosofia, ao contrário dos textos de ideologia religiosa, que são, no mais das vezes, temporários, sectários e repletos de idiossincrasias e solipsismos.

A visão de Ingalls é comparativa, demonstrando um profundo estudo das Escrituras trazendo-as diante dos comentários de renomados filósofos do passado. No seu ponto de vista, ele defende o fato de não ser necessário estabelecer-se um 'divisor de águas' muito profundas entre a visão do niilistas budistas e do Kevala Advaita Vedānta (diz-se 'quevaa la aduâita vedânta'). Contudo, o que realmente devemos considerar como mais relevante é o fato de ele salientar que, "Essencialmente, o argumento do Vedānta é do teísmo contra o ateísmo!". 

Portanto, se este argumento não é o mais importante, é um sinalizador definitivo entre as diferenças entre os Budismos e o Advaita Vedānta defendido por Śaṅkara, considerado Kevala ou "não-segundo puro", ou seja, há tão somente um único e mesmo Brahman em tudo e em todos, etc.

Os pontos enunciados pelo prof. Ingalls merecem aprofundamento no estudo direto dos versos e textos por ele indicados. O leitor deverá saber deslocar-se em busca dos mesmos em locais de tradição acadêmica e não sectários. Infelizmente no Brasil a literatura fidedigna é escassa, pouco confiável, não raro mistura-se budismo com Advaita Vedanta, com mais uma dose de 'espiritismo', seitas vindas da Índia, e movimentos religiosos independentes que não possuem tradição filosófica embasada na verdadeira ciência da Filosofia (epistemologia). Assim tecem uma quimera sem fundamento. Como bem o diz o prof. Kencho Tenzin, referindo-se ao Budismo e ao Advaita-Vedānta: "Hoje nós encontramos um crescente interesse nas tradições filosóficas e de meditação da Índia no Ocidente, e uma correspondente proliferação de professores de várias tradições. Talvez, devido à transmissão destas tradições para o Ocidente fique como um resquício de um estado primário relativo, ou quiçá devido à influência de um estilo de uma Nova Era de pensamento, frequentemente o nuance filosófico destas tradições é subestimado. Muitas destas tradições usam um grupo similar de termos e conceitos, tais como, karma, mokśa, reencarnação, e assim por diante, e é fácil para aqueles que não são familiares com as sutilezas daquelas respectivas filosofias pensar que aquelas tradições, no final das contas, reduzem-se às mesmas coisas".(Śaṅkara: Revitalista Hindu ou um Cripto-Budista?)

Mas o leitor poderá identificar muito facilmente se está diante de uma crítica filosófica ou simplesmente de uma seita ou ideologia de fanáticos. Na crítica filosófica não são feitas "afirmações de verdade" nem tampouco "juízos de valor", mas levantam-se hipóteses para o raciocínio, e não simplesmente se impõem medo pelo crer.

Junto aos outros textos, os quais nós já temos publicado falando desta questão de Śaṅkara e os budistas, segue-se agora este, e muitos outros virão. O que temos para lastimar é que o desprezo pela Filosofia, plantado nas mentes do povo (talvez o maior dos sucessos do regime militar no Brasil), tem levado às massas ao extermínio dentro de crenças e religiões que lhes usurpam a liberdade de pensar. Nosso apelo é tão somente para o despojamento do crer, enaltecendo o ser, e desprezando por completo o atual modismo do "aparecer". 

Despoja-te! A verdade é de fato uma semente que floresce no campo do livre pensar, fundamentado na razão do Ser e não do crer. 

om tat sat

-oOo-

Muito já fora dito sobre a relação de Saṅkarācārya e os Budistas, e a visão a qual é corrente sobre este tópico difere tanto como branco e preto. Os mais entusiastas seguidores de Śaṅkara reivindicam como sendo ele o principal responsável por conduzir os budistas para fora da Índia. Seus sectários oponentes, por outro lado, reivindicam que Śaṅkara, secretamente, aceitou as doutrinas budistas, e tendo introduzido muitas delas, como pode, dentro da tradição do Vedānta. Estudiosos fora da Índia também parecem longe de um entendimento em suas opiniões, uma vez que têm enfatizado o elemento prático da doutrina de Śaṅkara, a qual é, certamente, oposta ao Budismo, enquanto outros, por enfatizar os elementos acósmicos e idealistas, reduzem as diferenças ao mínimo. No Japão, onde os instrutores budistas do passado eram levados em grande consideração, os estudiosos têm seguido um caminho diferente, arguindo que Śaṅkara falhou no entendimento do Budismo, não importando a sua posição que tenha tido.

Neste conflito de opiniões, ninguém que conheço, fora beneficiado pessoalmente nos dois métodos investigados, os quais, penso, que talvez minimizem o prejuízo e conduza a uma solução mais racional e amplamente aceita. Estes dois métodos são a comparação dos comentários de Śaṅkaracārya e Bhāskara, sobre o Brahma-sūtra, e a comparação dos argumentos de Śaṅkara, que costumava usar contra os Budistas no seu Brahma-sūtra-bhāśya, e com o que ele usou no comentário do Bṛhadāraṇyaka Upaniṣaḍ. Não posso afirmar que estes métodos irão resolver todos os problemas, mas irão auxiliar, devido a seguinte razão;
Torna-se muito claro numa comparação de Śaṅkara e Bhāskara, que a maior parte do comentário de Śaṅkara no Brahma-sūtra, não é original em Śaṅkara, mas uma repetição do que os comentadores escreveram no passado. O que nós temos no Brahma-sūtra-bhāśya é a filosofia acumulada por um milênio. É verdade que há elementos originais, alguns deles muito importantes, e, como espero mostrar, estes elementos podem algumas vezes ser reconhecidos como originais, mas é tradicional a forma que o sustenta. Agora, para determinarmos a exata atitude de Śaṅkara com relação ao Budismo, é essencial que nos esforcemos em desembrulhar o que é original em Śaṅkara, e o que não é. Deixe-se apontar brevemente os meios de nossa coleta.

O mais antigo comentário de Śaṅkara preservado é sobre o Brahma-sūtra, uma coleção de discursos curtos, os quais sumarizam a filosofia dos Upaniṣaḍs. Śaṅkara escrevera este comentário, provavelmente, por volta do começo do século VIII. (2) O próximo comentário que sobreviveu ao de Bhāskara, fora publicado em uma única edição, baseado em uns poucos e corruptos manuscritos, e muito mal editado. (2ª). A respeito a isso, é usualmente possível trazer o significado de Bhāskara com a ajuda de Śaṅkara e de outros textos. Este comentário de Bhāskara é referido por Vācaspati Miśra, cerca do ano 850. Bhāskara, por sua vez, refere-se a argumentos os quais são vistos como tendo raízes primeiramente nos pupilos de Śaṅkara, a saber, Sureśvara e Padmapāda. (4). Ele deverá, portanto, ter duas gerações mais jovem do que Śaṅkara. Se nós colocarmos a data deste comentário no ano 800, nós não estaremos distantes do erro.

Estes são os dois mais antigos comentários que foram preservados. Portanto, nós sabemos que muitos comentários foram compostos antes desta data. Bhāskara possui um valor particular em fornecer a evidência disso. No decurso do seu comentário, ele frequentemente se refere a opinião de mestres anteriores. Desafortunadamente, ela jamais mencionou os nomes deles. Ele introduz suas observações por “ke cit tu” (“mas algumas pessoas”); “apara āhuḥ” (“outros dizem”), e por expressões semelhantes. É possível, portanto, por uma cuidadosa comparação destas observações, juntar certas pessoas e tecer-se alguma ideia da maior tendência na interpretação do Brahma-sūtra, que tanto procede de Bhāskara como de Śaṅkara.

Historicamente, talvez o mais importante anterior intérprete destes comentadores é o filósofo referido por Bhāskara, e pelos seguidores de Śaṅkara, conhecido como Vṛttikāra. Para distinguirmos ele dos outros iremos chamá-lo de “proto-comentador”. Agora, o mais interessante fato aparece em uma comparação de Śaṅkara e Bhāskara. Não importa que nós falemos que Śaṅkara parte da visão do proto-comentador, nós iremos encontrar Bhāskara sustentando esta mesma visão e entusiasticamente opondo-se a partida de Śaṅkara. (5). Eu penso que esteja bem claro que o comentário de Śaṅkara esteja baseado em grande parte neste comentário pré-Śaṅkara Vṛtti.

Um segundo fato interessante é que em grande parte o comentário de Bhāskara é substancialmente o mesmo de Śaṅkara. Mesmo assim, nós não podemos supor que Bhāskara, frequentemente, tenha copiado de Śaṅkara, porque este era considerado seu maior inimigo. Nos primeiros livros de comentários de Bhāskara, há quarenta e cinco referências a intérpretes anteriores; dezessete são de Śaṅkara, e muitos destes são sarcásticos. Referindo-se especificamente à doutrina de Śaṅkara, ele diz: “ninguém a não ser um bêbado, pode sustentar esta teoria” (I.i.4; p. 20, linha 23). Com referência a toda a escola de Śaṅkara, “... eles destroem o significado dos sūtras, e conduzem os estudantes ao erro” (III.ii.3). Outra vez, Bhāskara fala que “os māyāvādins carregam a doutrina budista” (II.ii.29), e sobre “este depreciativo, um mayāvāda que fora salmodiado pelo Mahāyāna dos Budistas” II.iv.25).

Mas eu não penso que Bhāskara copie frequente e diretamente Śaṅkara. Estamos, particularmente, explicando a semelhança, supondo que Śaṅkara, bem como Bhāskara, seguem o principal proto-comentador. Talvez Bhāskara parta de pontos cruciais do proto-comentador, mas este fornece um emolduramento para o Brahma-sūtra de Śaṅkara e de Bhāskara, também.

Agora, se isso for verdade, nós temos por fim um instrumento para determinar o que é original e o que é tradicional na filosofia de Śaṅkara. Onde Śaṅkara e Bhāskara concordam, o texto é tradicional, e nos traz de volta para o proto-comentador. Onde Bhāskara critica Śaṅkara a probabilidade é que a doutrina não retorna ao proto-comentador. Isso talvez, é claro, volta-se para alguma outra tradição do Vedānta. Do que nós não podemos estar certos sem evidências mais adiante, como as que algumas vezes são fornecidas por Gaudapāda ou Vaakyapadīya. Nem nós podemos chegar a qualquer conclusão onde Śaṅkara e Bhāskara discordam, sem as críticas de Bhāskara sobre Śaṅkara. O instrumento não é perfeito. Porém, ele é de grande ajuda.

Porém, como se tem indicado, há um instrumento, além disso, que talvez possa ser usado: uma comparação da doutrina de Śaṅkara, a qual é fornecida no Brahma-sūtra-bhāśya, com o que ele nos fornece em outro lugar. Especialmente valioso a este respeito é o comentário sobre o Bṛhadāraṇyaka upaniṣaḍ. Porque sabemos certamente que este comentário feito por Śaṅkara é o mais longo de todos os comentários de upaniṣaḍs atribuídos a ele, e isso inclui a maioria da discussão filosófica. Tal comparação conduz a resultados interessantes. Primeiro, e isso é uma descoberta de Kathe Marschner, há contradições difíceis e abertas entre os dois trabalhos. Segundo, e creio que isso não tenha sido apontado, a ênfase dos dois comentários é muito diferente. Por exemplo, alguns dos grandes argumentos no Bṛhadāraṇyaka são diretamente contrários ao Bhedāabheda (a doutrina de identidade na diferença), e estes argumentos encontram-se durante o trabalho. (6) Argumentos semelhantes são raros no seu Brahma-sūtra-bhāśya, e com uma exceção estão limitados a umas poucas linhas. (7) ou, chegando ao próprio objetivo deste presente texto, os argumentos contrários ao Budismo, onde nós temos a ocasião de observar, que os dois grandes argumentos, os quais Śaṅkara não compartilha com Bhāskara, ocorrem mais uma vez ao longo do comentário do Bṛhadāraṇyaka, enquanto que os argumentos que ele distribui num largo número são ali omitidos.
A explicação disto que está acontecendo, eu penso, é a seguinte: o Bṛhadāraṇyakopaniṣaḍ-bhāśya de Śaṅkara é a peça mais original escrita do que o Brahma-sūtra-bhāśya. No comentar o Brahma-sūtra, Śaṅkara é muito cuidadoso em não desviar-se da tradição. Por outro lado, no comentar o Bṛhadāranyaka dá a impressão de que a sua intenção é de quebrar a tradição. Ele discorda novamente com o Bhartṛprapañca, quem é talvez o mais famoso intérprete do texto antes da época de Śaṅkara. (8)

Deixe-se então agora aplicar o critério da originalidade do mais notável argumento anti-budista contido no Brahma-sūtra-bhāśya de Śaṅkara. Nós veremos se este novo método conduz a um resultado significativo.

A seção anti-budista do Brahma-sūtra-bhaśya consiste em quinze sentenças: II.ii.18 até II.ii.32, na numeração do comentário de Śaṅkara. Esta seção cai dentro de dois tópicos (adhikaraṇas), dos quais o primeiro está dirigido contra realismo budista ou, nas palavras de Śaṅkara, contra aqueles budistas que admitem a existência do mundo externo. Neste tópico, há diferenças de arranjos entre Śaṅkara e Bhāskara, mas um quase total acordo no que diz respeito aos argumentos correntes utilizados.

Especificamente cinco doutrinas budistas são atacadas: a doutrina do agregado; a corrente de causação; a doutrina da momentaneidade; a definição budista do ākaśa (espaço), e a teoria de que a origem vem apenas da destruição. Estas doutrinas são bem conhecidas, e serão brevemente descritas a seguir.

- todas as entidades, conforme a doutrina realista budista são colocações de partículas atômicas. Destas partículas, há um grande número de tipos, e estes estão categorizados entre dois ou cinco agregados (samudāya ou skandha). A divisão dual está dentro dos agregados mental e material. Contra esta doutrina, tanto Śaṅkara como Bhāskara, argumentam que estes agregados são impossíveis, porque não há uma agente consciente para causar a sua agregação. Ou, supondo que eles tenham existência, sendo completamente independentes, não haveria razão para que eles alguma vez cessem. Essencialmente, o argumento do Vedānta é do teísmo contra o ateísmo! (grifo nosso). A necessidade de um agente consciência é argumento benquisto no Vedānta e não se limita a atacar o budismo. Ele é empregado contra o Sāṇkhya pelos sutras e tem grande extensão nos comentários, II.ii. 1ff, dos dois comentaristas. Ele é usado mesmo contra o Vaiśeṣika (em Śaṅkara e Bhāskara em II.ii.12), o qual é visto nos tempos antes de Praśastapada ter sido ateísta. (9). Este é, obviamente, um dos mais antigos argumentos do Vedānta.

- “corrente de causação”, é, possivelmente, não a tradução de um texto do Pratītyasamupāda, mas o que mais é usada. A “corrente” faz uma incursão de doze membros, os quais tentam explicar o sofrimento e então a vida. A sensação, o desejo, aceitar, tornar-se, nascimento, morte – cada membro surge na dependência de um membro precedente, e a corrente é interminável, como uma cobra com a cauda em sua boca. Śaṅkara e Bhāskara usam a mesma crítica: “o mais que essa corrente pode fazer é ligar o membro anterior ao posterior, sendo a causa do que sucede o outro. Ela continua dando a causa dos agregados da corrente como um todo”.
Śaṅkara elabora este argumento mais do que Bhāskara, mas não adicionada nada mais substancialmente novo. Próximo ao final do seu comentário no II.ii.19, ele apresenta um dilema. Como pode uma coleção dar surgimento a outra: tal e qual, ou nada do nada? Se a primeira, os homens jamais se tornam animais ou vão ao inferno; se a segunda, eles talvez se tornem elefantes ou deuses num momento para outro. Um semelhante aniṣṭa-prasanga (consequência absurda), encontra-se em Bhāskara no sexto sutra.

- cada partícula atômica é considerada pelos budistas como sendo momentânea. Eles dizem, portanto, como sendo capaz de formam uma sequencia continua sob a analogia da chama de uma lâmpada. Śaṅkara e Bhāskara declaram que estas duas citações são  contraditórias. Se as partículas forem realmente explicações, então a ação da partícula anterior deverá gastar-se a si mesma antes de surgir a posterior. Com o primeiro destes argumentos anti-budistas, este deve ser considerado antigo, porque relata proximamente o argumento satkāryavāda (doutrina da pré-existência do efeito na causa), a qual é base doutrinária do Vedānta anterior. O efeito deve preexistir na causa, e causa deve pós-existir no efeito. (10).

- os Sarvāstivadins definem o ākāśa (espaço) como āvaraṇābhāvamātram – simples ausência de obstrução ou cobertura. Ambos os comentadores aduzem a base da escritura Védica. O fato é que o Vedānta não possui um conceito de espaço, e a palavra ākāśa não significa “espaço” no Vedānta; ele se refere a uma substância e deve ser traduzido como “ar” ou “éter”. Sobre esta questão, Śaṅkara adiciona um inteligente esquivo sobre a palavra “āvaraṇa”, mas não é suficientemente importante para deter-nos.

Em apenas um sutra sobre este tópica que Śaṅkara faz um argumento que é tanto original e de importância básica. Este está ano II.ii.25: “anusmṛte’s ca”. Realmente, o argumento de Śaṅkara é tão bem apurado que é obviamente superior a Bhāskara que, se o mesmo fora copiado de Śaṅkara, ao invés do proto-comentador, ele dificilmente teria falhado em usá-lo.

As curtas palavras do sūtra são assim traduzidas: “e por causa da memória”. Ambos os comentadores iniciam dizendo que a doutrina Budista da momentaneidade (transitoriedade) deve implicar transitoriedade do preceptor bem como do percebido, numa implicação na qual o fenômeno da memória prova ser possível. Se uma pessoa que se lembra de é diferente daquela que percebeu, nós jamais teríamos tal noção de “eu vi isso”.

Daqui, Bhāskara e Śaṅkara divergem. Bhāskara procede pela vida do “argumentum ad hominem” (argumento contra a pessoa; argumento falacioso N.T.):

“A continuidade da consciência não consegue passar para o próximo mundo, porque o último momento da consciência não deverá pular como um sapo dentro de um corpo intermediário na hora da morte...”

Budista: “sim, isso pode, pela força do karma”.
Bhāskara: “Não há provas de que o karma possua tal força”.
Budista: “O Buda, quem é onisciente, disse que tem”.
Bhāskara: “Não há prova que ele era onisciente”.

Nós supomos que os budistas permaneçam em silêncio, porque Bhāskara continua: “... e visto que pode assim não ir para os céus ou infernos, não pode haver retorno para dentro de um ventre. Então, toda a visa deverá ser impossível”.

O argumento de Śaṅkara é consideravelmente maior, mas pode ser condensado no seguinte:

Budista: “Com relação a noção ‘eu vi isto’, isso talvez seja devido a semelhança”.
Śaṅkara: “Não! O enunciado “isto é como aquilo”, refere-se a duas entidades. Se você não admitisse uma simples compreensão das duas entidades, o enunciado não teria sentido. Além do mais, em casos como a noção ‘eu vi isto’, nossa cognição nesta forma de ‘esta é que’ não na forma de ‘isto é como aquilo’. Novamente, nós algumas vezes duvidamos de uma coisa externa, enquanto ela é isso ou aquilo; nós temos dúvidas “isto é o mesmo que eu vejo que é’”?

Isso é Śaṅkara no seu melhor; literalmente desenrolando o sentido da escritura em duas palavras, “anusmṛte’s ca” dadas por ele, no curso da refutação da objeção budista, reforçando grandemente a sua doutrina metafísica favorita, a realidade permanente do Ser. É preciso lembrar que objeção budista aqui é idealista e não realista. Esta doutrina a qual nós chamamos identidade é de fato similaridade e não está presente nos Sarvāstivādins. Por outro lado, ela é a base da lógica de Dharmakīrti e o idealismo Budista. O que Śaṅkara contra-argumenta contribuindo originalmente é provavelmente o fato de ele utilizar, mais de uma vez, em duas passagens nos comentários do Bṛhadāraṇyaka, quase exatamente da mesma forma como os budistas (IV.iii.7), e novamente, de forma breve, apresentando a doutrina do satkāryavāda (I.ii.1). o último argumento nesta seção é direcionada ao realismo budista é tratado de modo semelhante em ambos os comentadores. Os budistas reivindicam que bhāva (existência) surge de abhāva (não-existência) ou, colocando isso de um modo um pouco diferentemente, a origem vem apenas da destruição; “a grama brota apenas quando a semente perece”.

A crítica usada por Śaṅkara e Bhāskara é de que nada pode surgir do nada. Essa é a máxima de Epicuro, e o raciocínio fornecido pelos indianos é o mesmo daqueles dos gregos. Eles possuem, apesar de tudo, um sentido comum. Não-ser ou não-existência é sem distinção. Isso é, nós não podemos falar de diferentes coisas da não-existência. Se nós permitirmos o nascimento da não-existência então não há razão para que a grama surja da semente que pereceu, em vez de surgir do leite que pereceu, ou do chifre de um animal. (11). Alguns séculos mais tarde, os Naiyāyikas, sustentando a “fortaleza” dos budistas neste conflito, forjaram uma “arma poderosa” contra o Vedānta, pelo analisar da assim chamada não-existência, dentro de uma série de relações negativas que podem ser distinguidas de acordo com o abhavīya-pratiyogitāvacchedaka (limitador da ausência contra-positividade) (12), mas nem Śaṅkara e nem Bhāskara, apesar disto, precisam recear esta ameaça polissilábica. Da semente, dizem eles, não é o perecer dela que surge a grama, mas a não destruição das partes da semente as quais formam a grama.

Sumarizando o primeiro tópico anti-budista do Brahma-sūtra: os argumentos de Śaṅkara contra o realismo budista, substancialmente, não contém nada novo. A única exceção aparente está no importante argumento no II.i.25, mas este não é direcionado contra o ‘realismo’. Ele é, particularmente, um súbito empurrão preliminar ao idealismo budista. este tradicionalismo de argumentos anti-realismo em Śaṅkara é justo o que alguém talvez espere de uma visão geral da história da filosofia indiana. O realismo budista tinha morrido na Índia séculos antes da época de Śaṅkara. os argumentos do Vedānta contra aquela escola volta para um tempo passado. Alguém talvez diga que a questão toda tenha se tornado acadêmica na época de Śaṅkara, e que apenas a sua hábil literatura capacitou-o a transmitir calor ao conflito.

Quando nós chegamos ao segundo tópico, lidando com o idealismo budista, nós encaramos uma situação diferente.

O tópico do idealismo budista começa com o Brahma-sūtra II.ii.28: “nābhava upalabdheḥ” (o mundo não é não-existente, porque nós o apreendemos). Este, e os quatro sutras que sucedem, tem sido objeto de longo debate acadêmico, tanto com a sua intenção original como da intepretação deles por Śaṅkara. Uma comparação de Śaṅkara e Bhāskara destes cinco sūtras nos mostra diferenças impressionantes. Bhāskara até mesmo omite dois dos sūtras, considerando que eles pertençam mais exatamente ao comentário do que o texto base (13). E de resto, a maior parte do seu comentário consiste em criticar o Dharmakīrti e Śaṅkara. Uma vez que não se deriva do proto-comentador, sou levado a crer que o proto-comentador tinha muito menos a dizer sobre este tópico do que o último.

Pode ser que valha a pena divagar por um momento para dizer que a inferência quanto a data do Brahma-sūtra, baseada nestes cinco sutras anti-idealista, parecem-me repousar num solo muito instável. (14). Não há uma outra parte no Brahma-sūtra na qual a tradição seja tão vaga. Os argumentos budistas que são respectivamente atacados pelos vários comentadores, longe de ser Śūnyavāda, o qual Jacobi reivindica como sendo “inimigo” original, não é sequer precoce Vijñānavāda. Eles são principalmente derivados de Dharmakīrti, quem vivera no século sétimo. Nenhum outro ponto do Brahma-sūtra está sobre tão forte suspeita de ter uma inserção. Exceto por aqueles cinco sūtras, não se vê uma razão para colocar o Brahma-sūtra anterior a época de Cristo. Para transferir a data para cinco séculos antes ou então sobre a base dos cinco sūtras, dois dos quais nem mesmo são universalmente reconhecidos, parece para mim como sendo oposto a todo o método histórico e ao senso comum.

Retornando a Śaṅkara. Ele inicia o seu comentário no verso II.ii.28, com um elaborado idealismo pūrvapakṣa (enunciado da oposição), consistindo em cinco argumentos designados, para mostrar a irrealidade do mundo externo. Os argumentos são tomados principalmente de Dharmakīrti, e são respondidos sucessivamente.

Um dos argumentos transcorre como a seguir: embora a cognição permaneça a mesma no lugar em que ela surja, ela assim funciona constantemente com uma certa particularização, isso é, com uma indução para com um objeto particular. Nossa cognição é sempre cognição de alguma coisa. Existindo esta particularização, aparentemente, completamente enclausurada no conhecimento, não há necessidade de nosso posicionar qualquer coisa fora do conhecimento. A particularização  precisa na verdade ser apenas da cognição, não da coisa. Os versos pertinentes de Dharmakīrti são de fato citados por Bhāskara, que se refere ao autor com desdém, como viprabhiksu, ou seja, o monge brahmana (Bhāskara, op. Cit. P. 123, linha 15). Um destes versos ocorre no Pramāṇa-vārttikā de Dharmakīrti, ambos versos de fato aparecem juntos no mesmo autor no Pramāṇa-viniścayā, o qual está agora preservado apenas em Tibetano. (15). Este trabalho é, indubitavelmente, a origem na qual Śaṅkara e Bhāskara puxaram.

Um segundo argumento deriva-se do verso de Dharmakīrti:

sahopalambha-niyamād abhedo nīla-tad-dhiyaḥ
bheda’s ca bhrānti-vijñānair dṛśyetendāva ivādvaye (16)

“O azul e a cognição de azul não são entidades diferentes, porque ocorrem invariavelmente um com o outro. Alguém deve reconhecer a diferença entre ambos como devido a falsa cognição como na lua (a dupla visão da lua é visto por quem possui astigmatismo), a qual é única”.

 A doutrina de simultaneidade de cognição e conteúdo ganha força no fenômeno da apercepção, ou seja, casos de conhecimento reflexivo em tais formas como “eu sei que eu vejo um poste”. Diz-se que na apercepção o objeto e o conhecimento nunca são separados. Isso pode ser apenas devido a eles serem idênticos em natureza.

Em particular, as resposta de Śaṅkara para os pronunciamentos das teses budistas não são assim tão importantes como sua crítica em geral. Em particular, ele diz que se o conhecimento toma a forma que o objeto possui, supostamente, contendo-a, este fato não pode ser assim, senão não existiria qualquer objeto. Mais uma vez, o fato de que a ideia do objeto ocorrer junto na apercepção, mostra não mais do que eles sustentam um ao outro na relação de meios e objeto. O mais importante é a crítica num todo. Ninguém apreende um poste ou um ou uma parede como uma apreensão, mas apenas como um objeto de apreensão, chamados, um poste ou uma parede. Isso é quase igual ao argumento a favor da verdadeira identidade que temos aqui apontado, sobre o que tentamos mostrar, como original em Śaṅkara. Quando nós reconhecemos alguma coisa, nós reconhecemos que A é B, e não que A é como B.

Finalmente, Śaṅkara costuma usar o argumento seguinte, e esta é a sua mais pesada “artilharia”. Ele usa isso sempre ao comentar o Bṛhadāraṇyaka (IV.iii.7), o qual está significativamente ausente em Bhāskara. Há mais alguma coisa além da cognição, chamado “um conhecedor”. Os budistas têm, portanto, algo que permite a cognição ser captada por alguma coisa fora de si, conduzindo a um regresso infinito. Algo mais distante deve então “segurar” o “segurador”. E é para evitar isso que ele para na cognição, a qual ele considera autoluminoso, como uma lâmpada. Mas Śaṅkara reage dizendo que esta cognição não pode ser alcançada por qualquer meio, nem poderá ser entendida por ninguém. Ela deverá ser como mil lâmpadas numa imensidão. Para iluminar uma lâmpada precisa de um olho. Uma “testemunha” (no sentido de um visualizador) é necessária tendo em vista uma cognição. E aqui não há necessidade de lógica (ākāṅkṣā) para algo agarrar o agarrador. A testemunha sustenta-se como auto-prova.

Budista: “Mas ao instar contra mim a auto-validade de conhecedor você está meramente usando minha teoria com um nome diferente”.
Śaṅkara: “Não! Porque você reivindica que a cognição é momentânea e múltipla”.
Peço ao leitor que mantenha estas palavras finais na mente, porque irei referir-me a elas novamente na conclusão da posição de Śaṅkara.

Outro dos argumentos idealistas apresentados em II.ii.28 recebe suas respostas no próximo sūtra. Neste, Bhāskara e Śaṅkara concordam mesmo no ponto de semelhança verbal e o argumento deve ser remetido de volta ao proto-comentador. Śaṅkara, como veremos, fora acusado de hipocrisia em repetir a visão tradicional.

O argumento budista transcorre assim: Assim como nossas ideias dos sonhos e nas miragens têm a forma do percebedor e percebido, apesar de elas carecerem de objetos externos, assim, também, fazem nossas ideias no estado de vigília. Ou, colocando de um modo mais simples: as ideias que nós temos nos sonhos são falsas; portanto, as ideias que nós temos quando acordados são falsas, porque elas são ideias!

A resposta está baseada no senso comum. O sonho é diferente da vigília. As ideias que temos nos sonhos são diferentes daquelas que temos quando acordados. As primeiras são negadas pelo despertar; as segundas, não.

Bhāskara irrita-se pela pieguice conservativa de Śaṅkara. aquele, refere-se “aqueles māyāvādins, que sustentam a doutrina budista”, reivindicando que o presente sūtra mostra a filosofia deles como estando inteiramente errada. Iremos retornar a esta questão mais tarde. Para o presente, vejamos outros dois fatos. Śaṅkara não usa este argumento novamente contra os budistas no Bṛhadāraṇyaka, mas em nenhum lugar o contradiz. Mas é os seguidores de Śaṅkara que escorregam para dentro da posição budista, não Śaṅkara. o autor do Viveka-cūḍāmaṇi utiliza exatamente este argumento budista para provar a irrealidade do mundo exterior (17). Mas o autor do Viveka-cūḍāmaṇi não foi Śaṅkarācārya. (18).

Inspecionemos a análise do tópico anti-idealista; em II.ii.31, Śaṅkara considera brevemente o ālaya-vijñāna do idealismo budista. O ālayavijñāna ou “reservatório de consciência”, é um conceito levantado pelos Vijñānavādins, para fornecer alguma coisa permanente no contante fluxo momentâneo de partículas. Ele é uma consciência ou cognição assim abstraída de todos os termos de relações nas quais a cognição ocorre. Isto é, ele é pura consciência, e não “consciência de alguma coisa”. Metafisicamente é semelhante ao Brahman de Śaṅkara, o qual é conhecimento destituído de todos os termos nos quais ocorre o conhecimento; em outras palavras, conhecimento puro, não “conhecimento de qualquer coisa”. Mas há uma diferença psicológica e histórica entre estes dois termos. Primeiro, usando uma paráfrase de Śaṅkara em II.ii.31:

“O reservatório de consciência que você monta, sendo momentâneo, não é melhor do que a consciência comum. Ou, se você permite o reservatório de consciência com sendo estável, você destrói a sua teoria de momentaneidade (transitoriedade)”.

O “reservatório de consciência” aparece para Śaṅkara como o último tempo possível de pensamento de uma escola a qual teve gasto a maioria dos seus esforços no niilismo, uma noção “puxada pelos cabelos” para salvar o sistema de tornar-se tolices. Seu próprio Brahman como conhecimento puro, todavia, ele não considera consequência do niilismo, mas como a quintessência  da realidade “positiva”.

 Finalmente, Śaṅkara lança um olhar no Śynyavāda, o qual ele tinha menosprezado em outro lugar. O “śūnyavāda”, ele diz, e repetindo a si mesmo palavra por palavra no Bṛhadāraṇyaka IV.iii.7, “sendo contraditório a todos os meios válidos do conhecimento, nós pensamos que não vale o esforço gasto para refutá-lo”. Ele, então, adiciona o importante enunciado: “o senso comum – loka-vyavahāra – não pode ser negado sem a descoberta de alguma outra verdade”.
Os argumentos de Śaṅkara contra os budistas no seu Brahma-sūtra-bhāśya encerra neste ponto. Tendo examinado eles em detalhes, deixe-se agora fornecermos algumas considerações no geral:

Em primeiro lugar, nós vemos que a maioria destes argumentos são tradicionais. Mas, concedido este fato fundamental, ainda existe uma notável diferença entre os argumentos de Śaṅkara contra os budistas realistas e aqueles contra os idealistas. Os argumentos contra os idealistas mostram mais originalidade. Na Índia do século VIII, o idealismo Budista teve ainda um sistema vivido de pensamento apesar de a sua influência tido rápido declínio.

Dois importantes argumentos contra os idealistas surgem como sendo uma original contribuição de Śaṅkara: o “argumento de identidade” e o “argumento de testemunho” (observador). Ambos encontram-se em outros lugares em Śaṅkara, sendo notavelmente ausentes em Bhāskara. Ambos são argumentos positivos, em que eles vão mais longe do que a simples refutação de uma teoria oponente. Ambos os argumentos constituem-se integralmente no sistema metafísico de Śaṅkara, porque o observador está no centro de toda a filosofia de Śaṅkara. Esse (o observador) é a luz pela qual tudo é visto; a luz qual o sol e a lua são pálidos reflexos. Ela não é somente verdadeira mas flagrantemente real que o mundo rotineiro desbota-se em meio a uma neblina junto a ele. E o único fato que nos habilita a realizar esta verdade é que ele é a testemunha dentro de nós. Nós o entendemos pela realização de uma identidade: “tat tvam asi” (o que vós sois); ou “aham brahm’smi” (Eu sou Brahman). Isso não é uma diluição semelhante como se disséssemos “eu sou alguma coisa como Brahman”; é uma identidade absoluta, e esta é, no final das contas, provada pela experiência psicológica. (19) Como Śaṅkara cita no começo do seu comentário do Brahma-sūtra-bhāśya: “... cada um tem a noção de ‘eu sou’; ninguém pode negar o Ser, já que é o ser mesmo que o nega”. Ambos os argumentos, “do testemunho” e “da identidade”, são o verdadeiro cerne do sistema do Vedānta de Śaṅkara.

Consideremos agora a carga de hipocrisia de Bhāskara contra Śaṅkara. A mesma carga, também, fora colocada em prática por uns poucos estudiosos nos tempos modernos. Talvez ela seja colocada mais fortemente como segue. Arguindo contra o aparente argumento Vijñānavāda de Śaṅkara como um realismo. Certamente, ele parece insistir sobre a realidade da coisa externa. Por outro lado, quando desenvolvendo seu próprio sistema de filosofia, ele reivindica não uma única, mas uma centana de vezes que o mundo é irreal, como é irreal a espuma na água; como o truque de um mágico; como uma miragem; como um sonho. Se não é hipocrisia, pelo menos é uma contradição lógica? Ou é?

Observe-se, primeiro, que no arguir com os idealistas budistas a ênfase de Śaṅkara, não dá ênfase tanto a necessidade de um mundo exterior como à necessidade de alguma coisa além da cognição. Ele tem pelo menos uma justificação psicológica para isso, desde que o Brahman é concebido como o cognoscente em vez da cognição em si mesma. Quando se trata de definição lógica, certamente, há uma pequena diferença entre os conceitos budistas e do Vedānta, mas Śaṅkara admite que o Brahman não é logicamente definível. Então ele mesmo deixa uma abertura lógica. Lembrem-se destas palavras: “o senso comum não pode ser negado sem a descoberta de alguma outra verdade”. Realmente, Bhāskara no condenar Śaṅkara, mostrar perfeitamente ter entendimento do ponto de vista de Śaṅkara; “talvez você pense assim”, ele diz. “tanto quando não outra entidade permanente, a pura consciência é negada. Mas quando há o verdadeiro ātma, então nós podemos nos livrar do mundo” (20). Bhāskara continua perguntando: “que tipo de lógica é essa”. Mas para responder esta questão seria requerido um enorme tratado.

Eu julgo a evidência dessa maneira. Se nós adotamos uma visão metafísica e estática de filosofia, há uma pequena diferença entre Śaṅkara e o Budismo Vijñānavāda, muito pouco, de fato, no que toda a discussão parece corretamente apontar. A realidade central de ambos os sistemas são as qualidades, unidade de mudanças, e deste ponto de vista há mais justiça na objeção budista que eu tenha citado: “Mas no arguir contrário a mim o autoluminoso do conhecedor você está meramente utilizando a minha teoria sobre um nome diferente”.

Mas se nós tentarmos pensar psíquica e historicamente, isso é, se nós tentarmos pensar em tempos atrás, dentro das mentes dos filósofos cujos trabalhos nós lemos, há uma extrema diferença geral entre estes antagonismos.

Para Śaṅkara, e para a maioria dos seus seguidores, quase não há semelhança entre o Kevalādvaita e o budismo idealista. Śaṅkara não começa por negar a realidade do mundo comum; ele fora forçado dentro da sua posição, tendo em vista apenas explicar o Brahman imutável, eterno e universal. Isso aparece muito claramente quando nós revisamos as passagens nas quais Śaṅkara defende sua teoria de avidyā (ignorância), e māyā (ilusão). Alguém talvez adicione a defesa sobre três títulos. Primeiro, a verdade interior (veja-se, por exemplo, I.i.1). Dado o conhecimento imediato do ser permanente, nós não podemos firmemente atribuir a este ser as variações do mundo externo; portanto, a verdade última (ver, por exemplo, II.i.27). Dado o conceito de uma pequena parte de Brahman, o qual é universal, nós não podemos explicar o mundo externo como parte de Brahman, nem nós podemos explicar as circunstâncias mutáveis como estados variados de Brahman. O mundo externo deve ser simplesmente uma aparência. Terceiro, a escritura (por exemplo, II.i.14). Naturalmente, Śaṅkara coloca isso primeiro, e deriva a sua teoria da sua interpretação de tais passagens como “tat kena kaṁ vijānīyāt (então, a saber - quando a dualidade cessa – por qual meio, o mundo é conhecido?, e vācārambhaṇaṁ vikāro nāmadheyam (de acordo com a interpretação de Śaṅkara, a qual fora muito contestada, estes meios, “a alteração [de uma em muitas] depende da fala; é simplesmente um nome”). Não importa qual a face desta defesa nós examinemos, nós encontramo-la iniciando com a realidade de Brahman; a irrealidade do mundo externo segue-se apenas como uma dedução.

Agora, a Śaṅkara e seus seguidores, parece que os budistas reverteram completamente o processo. Eles iniciaram com a teoria niilista deles. Eles não encontraram combinações, nem conjunto, apenas constituintes, e estes eram partículas existindo somente num átomo do tempo. Tudo o mais era divisível; tudo estava constantemente mudando. Uns poucos idealistas budistas, Śaṅkara percebeu, tinham apresentado uma imutável unidade dentro da qual todas as mudanças puderam tomar lugar e eles chamaram isso de contínuo e imutável “reservatório de consciência” (ālaya-vijñāna) ou pura consciência (vijñaptimātratā). Mas para Śaṅkara isso parecia simplesmente uma tentativa hipócrita para arrumar a pintura, após ela ter sido destroçada. Destes comentários no Brahma-sūtra II.ii.31 e no Bṛhadāraṇyaka IV.iii.7, está muito claro de que Śaṅkara recusou-se a tomar o ālaya-vijñāna seriamente.

Do ponto de vista psicológico, portanto, o criticismo de Śaṅkara é compreensível. De um ponto de vista histórico ele talvez seja justificável. A diferença histórica volta atrás da fundação de ambas as tradições, aos upaniṣaḍs e às palavras de Buda em si mesmas. Talvez haja um paralelo entre estes dois corpos de ensinamentos, como recentemente alguns estudiosos têm tentado mostrar, mas isso me parece um paralelismo superficial.

A imediata e inconfundível preocupação dos upaniṣaḍs é com um princípio da vida. O aproximar algumas vezes é realista, outras idealista; algumas vezes iluminados, outras sobre a base ritual e mágica. Mas o princípio ‘único’ é o mesmo. ele é onisciente, todo-poderoso, e frequentemente nós o conhecemos como bem-aventurança; que é sem-segundo, e que ele é a existência. Através das palavras de Buda, por outro lado, ele transcorre com persistência igual ao tema do mistério do mundo. O mundo é essencialmente múltiplo, e uma esperança para infelicidade da humanidade é que se os dharmas (elementos da existência) entram dentro do ser, eles cessam de existir. A tradição dos upaniṣaḍs é essencialmente aristocrática e sacerdotal. A tradição dos budistas, por outro lado, é uma revolta (contra aquela tradição, n.t.).
Śaṅkara chega num ponto da história onde estas duas tradições, pelo menos sob o plano intelectual, tinham quase coincidido. Do original pluralismo, os budistas desenvolveram uma unidade, enquanto que o Vedānta tinha deixado a sua alegre precoce aceitação de toda a vida. Tinha concentrado seus esforços tendo em vista o pico do nirguṇa-brahman (Brahman sem qualidades), que o mundo comum tinha se tornado um triste lugar, como fora mais cedo para os budistas. Mas ele permaneceu por milhares de anos na memória de mútuo antagonismo de tradições, e houve ainda uma real e presente diferença psicológica. Destas considerações, os argumentos e Śaṅkara contra os budistas, ambos aqueles os quais ele repete do passado, e, aqueles os quais são originais, a mim me parece sem sentido, mas profundamente significativo e merecem estudo.

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Notas 
1. O conteúdo deste texto foi originalmente entregue na forma de uma entrevista no Bombay Branch of the Royal Asiatic Society, em novembro de 1952.

2. A data 788-820, a qual é aceita amplamente para a época de Śaṅkaram deve ser empurrada para trás. Uma detalhada e culta relação a este respeito, será encontrada no primeiro volume no trabalho do Japonês, Hajime Nakamura, chamado “Shooki no Vedānta Tetsugaku (Tokyo: Ieanami Shoten, 1950), pp. 63-121. A data limite mais cedo para Śaṅkara é Dharmakīrti, quem Śaṅkara cita no Upadeśa-sāhasrī, Kṛṣṇa Śāstrī Navare, ed. (Bombay: Jagadishvara Press, 1886), XVIII, 142. A fama de Dharmakīrti floresceu entre as visitas a India de Hsuan Tsang e I Ching que fora entre 634 e 673. O limite mais tarde é dado pelos dois grupos de fatos. (A) o pupilo de Śaṅkara, Sureśvara, é citado por Vidyānanda, quem deve ter vivido um pouco antes do ano 800. Veja-se Pathak em, “Bhartṛhari e Kumārila”, Journal of the Bombay Branch of the Royal Asiatic Society, XVIII (1894), 225-229. (B) há mais ou menos duas gerações entre Śaṅkara e Vācaspati Miśra, quem escreveu o Nyāya-sūcī-nibandha, em 841. As gerações, mostradas por Nakamura (op. Cit. P 89 e p.; 98, nota 12), são: Śaṅkara, Śrīvatsāṅkara, Bhāskara, Vācaspati. Nakamura fundamenta esta última parte no Yamuna Siddhitraya. Chowkhamba Sanskrit Series Works no. 10 (Benares: Chowkhamba Sanskrit Book Depot, 1900), p. 6. Algém pode provar que o mesmo resultado, talvez mais certo, possa ser pego na seguinte sentence: “Śaṅkara, Padmapāda, e Sureśvara, Bhāskara, Vācspati. Por evidência que Bhāskara é posterior aos pupilos de Śaṅkara, Padmapāda e Sureśvara (ver nota 4 abaixo).
2ª.  Brahmasūtra com um Comentário por Bhāskarācārya. Chowkhamba Sanskrit Series Work no. 20 (Banares: Chowkhamba Sanskrit Book Depot, 1903-1915).
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