quarta-feira, 25 de maio de 2011

Samsara - o sal da terra

Samsara

“O sal da terra”



Swami Krsnapriyananda Saraswati



Direitos autorais reservados na forma da lei

SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA DO BRASIL

SMARTA SAMPRADAYA

GITA ASRAMA

2009-2011


Kali Ma, reciclando a vida
::--::
 

Sri Sankaracaya Guru Astakam


çsäréram surüpam thadha va kalatram,
yasacaru cithram dhänaà meru thulyaà,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim
. 1

Mesmo que você possua uma bela aparência, uma linda esposa,
Grande fama e uma montanha de dinheiro,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 1

kalathram dhanam puthrapothradhi sarvam,
gruham bandhavam sarvamethadhi jatham,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 2


Mesmo que você possua uma esposa, riqueza, filhos,
Casa, parentes, e tenha nascido numa grande família,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 2


çadangadhi vedo Mukhe sasra vidhya ,
kavithwadhi gadhyam supadhyam karothi,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 3


Mesmo que você seja um especialista nos seis angas e nos quatro Vedas,
E um especialista em escrever bons poemas e prosas,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 3

videseçu manya swadeseçu danya,
sadächara vrutheçu matho na ca anya,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 4


Mesmo que você seja considerado um notável estrangeiro,
Rico em seu próprio país,
E muito respeitado nas virtudes da vida,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 4

kñmä maëòale bhüpa bhüpala vrundai,
sadä sevitham yasya padaravindam,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 5

Mesmo que você seja o rei da Terra,
E seja servido pelos reis e grandes monarcas,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 5



yaso me gatham bikçu dana prathapa,
jagadwathu sarvam kare yah prasdath,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 6


Mesmo que a sua fama tenha se espalhado por tudo,
E o mundo todo esteja com você, devido a sua caridade e fama,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 6

na bhoge na yoge na vä vajirajou,
na kaìtha sukhe naiva vitheçu cittam,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 7


Mesmo que você não concentre sua mente
Nos prazeres, no Yoga, no fogo de sacrifício,
Ou no prazer da esposa, ou nos assuntos da riqueza,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 7

aranye na vä swasya gehe na karye,
na dehe mano varthathemath vanarghye,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 8


Mesmo que sua mente esteja fora na floresta,
Ou na casa, na obrigação ou em grandes pensamentos,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 8

Phalaçruthi:
guror açtakam ya padeth punya dehi,
yathir bhüpathir brahmacharé ca gehi,
labeth vanchithartham padam brahma samgnam,
guruor uktha vakye mano yasya lagnam


Fruto dos Sastras (em resumo):
Este guru Astaka abençoa aquele quem lê seus oito versos,
Seja um santo, um rei, um brahmacarya, um grihasta (chefe de família),
Se suas mentes obtiverem aderência às palavras do Mestre Espiritual,
Terão conseguido a grande dádiva de alcançar o Brahman. |

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Jay gurudeva!


Adi Sankara Acharya
O Sri Guru Astakam, de Sri Adi Sankaracarya, os oito versos sobre o Mestre Espiritual ou Guru, contém em Si o néctar da sabedoria védica. A razão de louvor e respeito ao Guru não é uma coisa material ou de ilustração do ego. O contrário disso, ou seja, reverência ao guru trata-se de uma posição de humildade para alcançar a realização do conhecimento ou a realização do Brahman Supremo. Sri Adi Sankara foi fiel ao Seu mestre espiritual, Sri Gouvinda Acharya, tanto no Seu comportamento como na tradição de levar o conhecimento das Escrituras adiante, por intermédio do Guru Parampara (sucessão discipular). Todos os Ashramas ou posições na vida espiritual são beneficiados pelo respeito e amor ao Guru. De nada adianta acumular riquezas, fama, prestígio e poder, porque o final da vida material sempre será a morte inevitável. Feliz é quem pode abrir a sua mente para o Mestre Espiritual e assim alcançar o alívio das angústias do mundo material. Feliz é quem se libera da condenação da objetividade, alcançando a liberação da subjetividade ou do Sujeito – puro Atma. Feliz é quem possui o Ananda da liberação do Samsara.

O mundo fenomênico é o mundo do Samsara
A expressão “Samsara” tem origem no Sânscrito (escrita sagrada)[1]: “sans= terra; sara= sal; ‘sal da terra’”. Há muitos outros significados adjacentes ao termo “samsara”, como por ex.: nascimento e morte; “reencarnação” (talvez este seja o sentido mais pobre deles); retorno voluntário, ir ou vaguear através de; o mundo em si, etc. O mundo material é o mundo fenomênico; objetivo. Está sujeito aos três modos da Natureza Material, a saber: Rajas, Sattva e Tamas; ação, equilíbrio e inação, respectivamente. A característica fundamental da Natureza Material é a temporariedade, transitoriedade, impermanência, etc. A entidade viva está completamente atada ao Samsara (ciclo material). O Mestre Espiritual é quem nos ensina sobre a liberação do Samsara, falando-nos sobre o mundo subjetivo ou da consciência pura, também chamado de Atma. Este é o “mundo” do SER, o que é real, eterno, imortal, e repleto de bem-aventurança. Quem alcança a liberação do Samsara é chamado de Jivanmukta ou “liberado”.


A roda do Samsara
O mundo material é o mundo da externalidade, da efemeridade, da transitoriedade. Ele é fenomênico. O Ahamkara ou falsa noção de “eu é o responsável pelo condicionamento material objetivo. Na imediatidade (portanto, sem meios) do mundo, tudo está “fora do individuo”. É por isso que a grande maioria das formas externas que encontramos no mundo, de reverenciar o Supremo, são também construídas por sobre a seguinte maneira de pensar o mundo: “Vós sois o corpo e suas relações; há Deus, mas está fora do sujeito (noção dualista); bem como a morte, e até mesmo a felicidade estão fora dele (do sujeito). Deus está no “templo”; a morte no “cemitério”, e a felicidade nas “coisas externas” . Contudo, contrário a isso, a consciência subjetiva ou numênica[2], conforme a filosofia do Advaita Vedanta (Vedanta não-dualista) nos ensina, Deus está dentro de nós; a morte é uma “companheira” permanente no mundo material, bem como a felicidade está na realização do Ser, que está dentro de todos, e que está além do nascimento e além da morte, porque nunca nasce e nunca morre. O enfoque objetivo da consciência apregoa a felicidade material na imediatidade do mundo; o enfoque subjetivo nos ensina que a felicidade ou bem-aventurança está na mediatidade (por meios; no caso, pelo conhecimento ou Jñana do Atma), apontado pelo Guru ou mestre espiritual, o qual nos indica o caminho da subjetividade ou do Ser, chamado Atma ou Brahman, devendo ser exercitado pelo Viveka, ou “discernimento” superior.



Varna e Asrama
Os quatro Ashramas e os quatro Varnas (Varnasrama) nos indicam que não importa qual seja o meio que alguém mantém sua vida, desde que seja honesto e não cause sofrimentos a outrem (conforme o Dharma), ou faça no mínimo possível, tanto para consigo mesmo como para com os outros. O Karma (ação; trabalho; atividade) sempre será temporário, passageiro, impermanente. Mas se a ação – karma - é feita tendo em vista alcançar o Supremo, tendo sempre o Mestre Espiritual como base e referência reverente, isso irá iluminar o discípulo com Sua misericórdia desmotivada, não causando reação ou seja, o serviço desmotivado egoisticamente não irá ter reações.


Brahmacaris estudam com o Guru
O mundo material nos dias de hoje está tão diversificado que é possível viver-se de forma muito simples e mesmo assim não faltar o essencial (comida, roupa e moradia). Aqui não se discute méritos. Não importa qual seja o Ashrama ou posição em que se viva. As facilidades e dificuldades serão mais ou menos as mesmas em qualquer situação. São belos tempos; dir-se-ia que “primaveris”, neste intervalo entre glaciações. Um pequeno oásis nesta era de Kali-yuga![3] Dizem os cientistas que estamos numa primavera de 10 ou 12 mil anos, e ainda estamos recém na sua metade. Mas o “mundo” irá mudar, assim como já mudou tantas vezes, e não seremos os únicos culpados por isso, porque o mundo é algo vivo e individual, portanto, tem seus ciclos e vontades, e tal qual toda a entidade viva, é controlado pelo Supremo Absoluto. As mesmas leis e regras da Natureza Material se aplicam a tudo e a todos no mundo material.

Sofrimento inevitável
Uma constatação objetiva é de que: “viver é um sofrimento inevitável”, porque estará sempre ligado ao ciclo material: nascer, crescer, envelhecer, e morrer. Há três contingências das quais nenhuma entidade viva pode se livrar totalmente: do sofrimento ocasionado pelo próprio corpo (transitório, temporário, passageiro); do sofrimento ocasionado por outras criaturas (e outras pessoas também); e do sofrimento ocasionado pelas forças da natureza. Por melhor que seja a vida de alguém, terá que passar pela dor do nascimento, e por sua finalidade: a morte. Por mais que alguém diga: “eu sou o dono de mim e faço o que quero”, estará condenado à doença, velhice e morte, independente de sua vontade e do quanto faça para evitar doença, velhice e morte. Que coisa interessante essa condenação à morte, tão logo tenhamos “nascimento” num corpo material!? ou será condenação à vida? 

Chamundeswari por sobre um lótus de crânios
Perceber que o destino deste corpo é o seu fim não é uma coisa muito agradável. Se o Ser é para a finalidade, ou seja, se o Ser é para a morte, então qual é o porquê da vida? Por que do sofrimento: trabalhar, estudar, manter o corpo? Materialmente, ficamos praticamente o dia todo em função do corpo, mesmo sabendo que ele é temporário, passageiro, transitório, impermanente, corruptível. Um terço (1/3) da vida a levamos dormindo (em 30 anos dormimos 10), quem viver 90 terá dormido 30! E ainda nos dizem que “somos livres”. Portanto, de que vale a vida sem uma consciência superior? Sem a consciência do nosso verdadeiro motivo de viver? Será que somos tão somente para comer, dormir, acasalar, nos proteger, e por fim morrer? Somos, então, condenados em nossa liberdade? Assim, as reflexões sobre a vida, seu destino, bem como do corpo e de suas relações serão sempre interessantes, principalmente se medidas em sua objetividade finalística. O que aconteceu conosco num investimento qualquer, que pretendíamos ter um bom resultado? Que coisa! É como alguém investir em algo tendo em vista um bom resultado e depois perceber que não valeu à pena. Alguém disse que “não se pode contar com o ovo antes de ele sair da galinha”, na verdade usam uma expressão chula, todos a conhecem, mas a vida é sempre isso: “contar com o ovo” antes de ele vir a ser. Porque não sabemos o que nos espera ali na frente. Quem sabe? Pode ser que não tenhamos a sorte de mantermos nossa “condenação” à vida material, mantendo-a por mais um tempo vivos. Por mais que alguém seja previdente, cauteloso, bondoso para com tudo e todos, estará inevitavelmente preso à roda do Samsara, e assim condenado ao destino do sofrimento.


Maha tattva – o sal da terra

Grandes filósofos do passado (pensamos que no presente estejam ocultos pela falta de interesse das pessoas, devido ao natural avanço da Kali-yuga - era de trevas), já mencionavam o fato de estarmos no mundo atuando como marionetes. Sri Krsna também diz isso no Bhagavad-gita 18.61: “Isvara, o Controlador Supremo de todas as criaturas, reside no coração de todos, ó Arjuna! Que perambulam como que sentados por sobre uma roda, sendo controlados por Minha energia material”. Somos levados pela Natureza Material (prakriti), e agimos pensando que somos nós os causadores de os seus resultados, mas é a natureza quem nos leva e trás. E de algum modo, o provérbio realiza-se dizendo que, “O que se leva da vida é a vida que se leva!” Karma, se realiza aqui no Samsara. Recordamos do Novo Testamento, escritura dos cristãos: “vós sois o sal da Terra”! Sim, somos “samsara”! Então, somos o tempero daquilo que achamos explorar, dele desfrutando. Interessante isso!? Tudo retiramos da terra, para podermos viver por sobre Ela! Depois Ela, a natureza, finalmente se “tempera” conosco. Este ciclo chama-se Samsara: “salgar a terra”.

Kalidevi Ma
Uma representação muito transcendental do Samsara aparece na terrificante representação de Kali Devi, onde Ela segura um tridente (figura que ilustra o frontispício deste texto), vestindo uma guirlanda de crânios humanos no seu pescoço, e tendo uma cabeça recém-cortada, segurada em Suas mãos, ainda pingando sangue numa tigela. Ela tem a língua vermelha, para fora da boca. Os apressados ocidentais costumam chamá-lA de “representação demoníaca”, mas porque não vêem o ciclo de mortes ou samsara em si mesmos; possuem uma rarefeita consciência objetiva. Mas a morte está bem aqui conosco, neste corpo transitório, passageiro e temporário que muitos se confundem consigo mesmos. A morte não está fora de nós! O tridente nas mãos de Kali Devi representa as três qualidades materiais ou Gunas da Prakriti. Cada um delas tem seus Rasas ou comportamentos distintos e complementares: Rajas, paixão e movimento; Tamas, ignorância e inação, e Sattva, bondade e equilíbrio. A natureza tríplice, das qualidades materiais combinadas, nos fornece os cinco sentidos. A língua de Devi desfruta do “sal da terra”; naquele sangue – nosso mesmo - que nos amedronta; é o samsara, o sal da terra na forma de Apas – paladar - ou humor da água que predomina. Se olharmos atrás de nós (e de Devi na gravura), veremos uma infinidade de corpos ligados às cabeças que tocam Devi (Vayu é o ar, o tato).  Mais claro ainda, numa forma de Devi, conhecida como Chamundeswari, que repousa sobre um lótus com cinco crânios (cinco sentidos), um fogo abrasador que a tudo devora, é Tejas ou Agni, a visão. Somos resultados da “vagina de fogo”; vítimas inevitáveis do fogo serpentino. O sangue coletado numa tigela logo vira terra, Prithivi, donde vem o olfato ou aroma. Por fim, a audição, o som está no espaço, entre os elementos, é o Akasha percebido das evocações dos mantras cantados pelos devotos: “rogai por nós, agora e na hora de nossa morte!”. Devi coloca seu pé direito na região do coração, por sobre o peito de Siva que está deitado, numa clara demonstração de que é Ela quem o faz bater, bem como Pará-lo. Siva é o Senhor dos Sentidos, Maha Keshava; a Sua posição de submissão à Mãe Divina (Mãe Natureza na forma de Kali Devi), mostra que em vão agimos pensando sermos causadores, porque Ela é a Senhora da finitude; a desfrutadora final de todas nossas ações. Devi amamenta Siva e O suga no final. Devi é um “moinho de carne” que a todos devora e transforma em sal. Salgamos a terra, somos samsara; sal da terra.


Afinal, a finalidade

Cremando o corpo
Há os que não creem em reencarnação, mas não poderão descrer de seus antepassados, dos quais, evidentemente, descendem e os têm impregnados em seus genes. Contabilizando por cima, desde o ano zero, até hoje, pouco mais de dois mil anos, considerando casais normais para gerar um filho, nós já tivemos em média, sendo generosos, 230 gerações, o que dá um resultado em torno de 1 bilhão e 70 milhões de pessoas até chegar a nós. Melhor falando, para que nosso corpo esteja aqui hoje foram necessários 1/3 da humanidade. Cada um de nós possui uma imensidão de antepassados materiais. Onde estão eles – antepassados - agora? Quem foram? Com certeza, eles foram importantes para nós, porque sem eles não estaríamos aqui hoje. Mas é certo que todos salgaram a terra! Mas a ilusão objetiva e o apego ao corpo material, e às suas relações vela, obstrui, removem a visão da realidade Suprema. A vida material nos devora como faz o fogo com a floresta. É por isso que Devi é representada com uma guirlanda de cabeças; Ela é a mãe que tudo dá, mas também que tudo tira. Quantas voltas dá a roda do Samsara? Pouco importa, no final, sempre salgamos a terra!
O conhecimento da Verdade Suprema, aquilo que está além do samsara, é-nos dado pela graça e misericórdia do Guru. O Guru não é uma pessoa, mas uma forma transcendental de bênção do Supremo, encarnada no corpo de um representante. Assim como alguém logo vê que outro sofre com um argueiro no olho, removendo-o e dissipando a dor e a escuridão, o guru é tal qual colírio. Mas o conhecimento da Verdade Suprema não é apenas saber décor as Escrituras, ou os rituais n’Elas contidos, mas realizar o bem Supremo ou a bem-aventurança Suprema, chamada Ananda.
O mundo material é composto das três qualidades, sendo que elas se aplicam tão somente a sua objetividade fenomênica. As coisas se confundem quando alguém tem consciência objetiva parcial, ou seja, crê ser o corpo e suas relações. Ainda que não devamos ser negligentes com as necessidades e obrigações materiais elas são maya, aparentes e não reais no sentido subjetivo ou do Atma (realidade suprema).
A rendição ao guru é um pacto de amizade no conhecimento transcendental. Há algo do guru em cada discípulo, bem como o guru carrega algo muito íntimo do discípulo. O discípulo deve abrir a sua mente e coração para o guru, para então poder contar com Sua inestimável ajuda. Do mesmo modo como não será possível colocar chá uma xícara cheia, assim, também, o discípulo orgulhoso do acúmulo do conhecimento não poderá beneficiar-se com a graça do Guru. Tyaga ou renúncia é o primeiro passo. Renunciar as ideias de “eu”, “meu”, propriedade, identidade material, bem como aos frutos das ações é algo que traz em si uma inefável experiência libertadora. O devoto já não mais diz “minha religião”, “meu país”, “meus pais”, “meu isso”, “meu aquilo”, porque compreende que todos estes “meus” e “eus” dizem respeito tão somente ao objetivo e material, que como sabemos é transitório, temporário, passageiro, efêmero e impermanente.


 A inversão epistêmica
Kalidevi e Seu filho Siva
Quase sempre ouvimos alguém dizer: “eu e a minha alma”; e a grande maioria das religiões apontarem: “salve a sua alma!”. Esta é a visão objetiva ou fenomênica da existência: “temos uma alma”. Mas o correto é: SOMOS ALMAS e não um corpo. Porque de fato SOMOS alma ou espírito, tendo experiências num corpo material. De acordo com as Escrituras, a Natureza Material nos oportuniza cerca de 8 milhões e 400 mil espécies de corpos materiais. Mas este número poderá aumentar mais ainda, devido a infinidade de combinações genéticas, e mutações possíveis, e assim por diante. É também possível dizermos que a entidade viva poderá desfrutar de infindáveis línguas e genitais enquanto quiser e assim o desejar. Samsara é devido à própria vontade do indivíduo. A liberdade de escolher enredar-se no ciclo de nascimentos e mortes, tanto faz no corpo que queira, faz do Samsara um ciclo eterno. Isso somente mudará tão logo surja a vontade de liberação; tão logo não mais a entidade viva deseje “salgar a terra”.

O Ser é para Ananda, bem-aventurança eterna; bem longe do ciclo de nascimentos e mortes. O Atma que somos é eterno e sempre sendo na Sua eternidade. O condicionamento material faz com que haja identificação com a objetividade dos fenômenos e com suas relações, como se isso fosse real e permanente. O que é permanente no mundo material é sua impermanência! Que interessante!

Nossa mente é a senhora do nosso Samsara. O processo de educar a mente é chamado Sadhana (diz-se sá-dha-na). Entre tantos sentidos que possui, sadhana significa: “controle de si”; e este “si” é o processo educativo da mente. Veja-se que Sri Adi Sankara, nos oito versos de enaltecimento ao Guru ou Mestre Espiritual encerra cada verso dizendo:

“Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento?”

Hari Hara om tat Sat


[1] A palavra “samskrit” origina-se da combinação de “sams= sagrado; skrit= escrita, “escrita sagrada”; não se trata de uma “língua”, propriamente dita, mas de um acordo ortográfico e gramatical secular, para preservar-se os ensinamentos das Sagradas Escrituras, especialmente os Vedas e Upanisads.
[2] O nûmeno é às vezes chamado de “a coisa-em-si”.
[3] A kali-yuga é também chamada de “era de ferro”, sendo a 4ª era, ou a era final do ciclo de Yugas ou eras védicas que se repetem de forma cíclica. Apesar da palavra “kali” referir-se, também, a Kali-Devi, no caso de yuga não tem nada a ver em comum. “kali” significa “escuro”, e escuridão é também uma forma de referir-se à ignorância ou ausência de conhecimento.

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