segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Advaita Vedanta

Advaita Vedānta

Sangeetha Menon

Tradução, Introdução, comentários de

Swami Krsnapriyananda Saraswati
Gita Asrama
2010


Sri Adi Sankaracarya
 
“No continente americano, filosofar significa exatamente o oposto do que até agora fizeram os que foram e são chamados de ‘filósofos’”

Roberto Gomes



Introdução
É comum nos países de menor acesso e ou falta de cultura ampla, como no Brasil, por exemplo, ou mesmo carente de consideração e deferências à Filosofia da Índia, o surgimento de especuladores e “fabricantes” do famoso “achismo” típico do “jeitinho brasileiro”, sendo abundantes nesta lacuna lastimável.

Pode-se pensar que a universidade brasileira, principalmente a partir da instalação no regime republicano, deu início a um recrudescimento ao conhecimento universal, privilegiando o tecnológico e consumista. A filosofia védica sequer é mencionada num currículo escolar de uma “universidade” brasileira, que notavelmente fixa-se numa isolação hermética com relação ao pensamento da Índia. Com raras exceções, como o caso de PADOVANI & CASTAGNOLA, em História da Filosofia, quase não vemos nenhuma menção ao pensamento não-grego ou de influência não-grega na Filosofia. É por isso que se pode dizer que a razão "tupiniquim" (dos 'brasilianos' que insistem em se chamarem 'brasileiros') ainda não alcançou o devido amadurecimento além do viés moral judaico-cristão (ou da mixórdia mitológica trazida pela igreja católica ao longo dos tempos); a filosofia brasileira ainda é serva da teologia; mantêm-se escrava do pensar dogmático religioso europeu; então "se" pensa à cabresto, ou não se pensa!

Como diz Roberto Gomes, “... o brasileiro aliena-se de dois modos: rindo de sua sem-importância ou delirando em torno do ‘país do futuro’... na verdade, conformismo e ausência de poder crítico, pois nos dois casos há um abandono – ‘deixa como está para ver como é que fica’ – e uma esperança mágica – ‘dá-se um jeito’”!

Igualmente, se pode compreender o surgimento de tantos ignorantes ilustrados, sem conhecimento, sem estudo, sem qualquer tipo de comprometimento com a linguagem filosófica, que ficam por ai imprimindo tolices e desconexões, e que não raro descambam para um tipo de proselitismo religioso pobre e pedante, confundindo o leitor; aqueles, se auto intitulam “especialistas”, mas sequer conhecem a linguagem e os temas fundamentais e pilares da Filosofia. De fato, no Brasil parece ser insalubre pensar. Também parece que um terno e gravata dá o devido status para quem sequer tenha lido algum tema sobre Filosofia. Então se confunde Filosofia com devaneios, fantasias, sonhos mirabolantes, e toda uma parafernália de termos da simples apreensão que não nos interessa nomear.

o legendário Vedavyasa
A filosofia do Vedānta é notavelmente a mais ampla e prática forma de alguém filosofar. Eidética, Noética, Estética, são seus pontos de raciocínio, algo que somente irá aparecer com tamanha clareza no Ocidente cerca de quase 1.000 (mil) anos depois do aparecimento de Śaṅkara. Nem mesmo filósofos como Kant, Hegel, Marx, e nem sequer Platão e Aristóteles, ficaram imunes à filosofia da Índia. Ainda que notadamente quando falamos “advaita” mencionamos inequivocadamente Śrī Ādi Śaṅkara, o Vedānta não-dual é anterior a Ele, de tal maneira que se compreende que há uma sucessão discipular antes d’Ele, e por isso antes do mestre do mestre d’Ele. Isso se chama parampara e sampradaya. Śaṅkara levou alguns anos de sua curta vida na Terra para alcançar os pés do seu mestre Govinda Pada. Apesar de ser Śaṅkara um estudioso notável, conhecedor do Sânscrito e outras tantas línguas em que os textos védicos haviam sido transliterados, Ele os manteve no original sentido. Isso é importante. Ele jamais desprezou seu guru, nem o guru do seu guru, nem a sucessão discipular. E NUNCA saiu aos quatro cantos se autoconclamando “especialista” em Vedānta. Ele não era um tolo, mas um sábio; quem estudou as Escrituras com Seus Gurus ou mestres e professores. Portanto, os tolos acham que por se autoproclamarem sábios alcançarão a sabedoria. Mas para o bem da verdade, fama, prestígio e poder terrenos, falsamente ilustrados sem nenhum estudo efetivo e fundamentado, é um suicídio ignorante. Tolos guiando tolos, como cegos guiando cegos.

Sangeetha Menon
O presente texto de Sangeetha Menon, do National Institute of Advanced Studies Indian; Institute of Science Campus, Bangalore, Índia, é tal qual um memendo de sabedoria. Um “tapa boca” dos falsos. Dá pinceladas fortes e claras sobre a visão do Advaita Vedānta que se notabilizou com Śaṅkara. Nenhuma escola subsequente a Śaṅkara pode dizer-se totalmente original por conter algo que Śaṅkara já não tenha mencionado, estudado, e ou aclamado ou refutado. O discurso de filosofia do Advaita Vedānta, distinto do Miṁāmsa, não seria jamais possível sem Adi Śaṅkara. Por isso, o leitor é convidado a estudar os termos, despojar-se da natural tendência de achar que sabe sobre um assunto tão complexo,  jactar-se sem ter estudado numa faculdade de Filosofia, e “ensinar” isso é loucura. Deve então, motivar-se a cursar a Faculdade de Filosofia, cobrando a falta que faz de estudos sobre o tema no Brasil. Alguns poucos locais têm procurado ampliar suas áreas de atuação, mas o atual conformismo ideológico de um “sociologismo da filosofia” tem feito das aulas de filosofia meros palaquins políticos partidários, ou um amontoado de palavreado difícil de ser compreendido pelo leigo.

Que possamos reinstalar a Filosofia não ideológica entre todos; que a Filosofia possa conter o pensamento tanto do Ocidente como do Oriente como licor de liberação do condicionamento consumista e irreflexivo do mundo atual. Que possamos ser livres das ideias de “eu” e “meu”, tão típicas dos autointitulados “especialistas” em Vedānta, quando nem mesmo passaram na porta de uma Universidade. Como diz Sankara, "Olhem bem para si mesmos, ó falsos vedantinos, com certeza há algo além das suas barrigas"!

Om hari hara om tat sat

Swami Krsnapriyananda Saraswati

Referências Bibliográficas nesta introdução
- GOMES, Roberto. Crítica da Razão Tupiniquim. 3ª. Ed., Movimento, Porto Alegre, 1979.
- PADOVANI, Umberto & CASTAGNOLA, Luís. História da filosofia. 17ª ed., São Paulo, Melhoramentos, 1995, 589 pgs.

Advaita Vedānta

Sangeetha Menon

O Advaita Vedānta é uma versão do Vedānta. O Vedānta é, nominalmente, uma escola de filosofia indiana, apesar de que, na realidade, ser um rótulo para qualquer hermenêutica que tente provar uma consistente interpretação da filosofia dos Upaniṣaḍs ou, mais formalmente, um resumo canônico dos Upaniṣads, o Brahma Sūtra de Bādarāyana. Frequentemente, o Advaita tem sido traduzido como “não-dualismo”, apesar de literalmente significar “sem-segundo”. Apesar de Śaṅkara ser considerado como sendo o promotor do Advaita Vedānta, como uma escola distinta da filosofia da Índia, as origens desta escola antecedem Śaṅkara. A existência de uma tradição Advaita é trazida ao conhecimento por Śaṅkara em seus comentários. Os nomes dos mestres dos Upaniṣaḍs tais como, Yajñavalkya, Uddalaka, e Bādarāyana, este sendo o autor do Brahma Sūtra, podem ser considerados como representando os pensamentos do Advaita anterior a Śaṅkara. A filosofia essencial do Advaita é um monismo idealista, e é considerada como sendo primeiramente apresentada pelos Upaniṣaḍs, e consolidado no Brahma Sūtra por esta tradição. De acordo com a metafísica do Advaita, Brahman – razão fundamental; transcendente e imanente, “Deus”, conforme os Vedas – aparece no mundo devido a sua energia criativa – māyā. O mundo não possui existência separada e aparte de Brahman. O Ser experimentante e o Ser transcendental o Universo (ātma) são na realidade idênticos (ambos são Brahman), apesar de o ser individual perceber diferenças, como o espaço dentro de um recipiente, vendo um espaço diferença de um espaço como tal. A doutrina fundamental está representada pelo verso anônimo, “Brahma satyam jagan mithya; jīvo brahmaiva na aparaḥ”; “Apenas o Brahman é a verdade, e este mundo de pluralidade é um erro; o ser individual não é diferente do Brahman”. A pluralidade é experimentada devido a um erro de julgamento (no sentido de juízo da razão) ou mithya, e também da ignorância, avidya. O conhecimento de Brahman remove estes erros e causa a liberação do ciclo de reencarnação e cativeiro mundano.

Índice de Conteúdo
1. História do Advaita Vedānta
2. Metafísica e Filosofia
2.1. Brahman, Jīva, īśvara e Māyā
2.2. Três planos da Existência
3. Epistemologia
3.1 Erro, Conhecimento Verdadeiro e Ensinamentos Práticos
4. Referências e leituras futuras

1. História do Advaita Vedānta

Adi Sankara Acharya 
É possível que uma tradição do Advaita vedānta tenha existido na primeira metade do primeiro milênio n.e. (nesta era comum), como indicado pessoalmente por Śaṅkara, com a sua referência à tradição – sampradāya. Mas os únicos dois nomes em que podemos ter alguma certeza histórica são Gaudapāda e Govinda Bhagavadpāda, este mencionado como mestre do mestre de Śaṅkara. O primeiro trabalho completo sobre o Advaita é considerado como sendo o Mandukhya Kārikā, um comentário sobre o Mandukhya Upaniṣaḍ, de autoria de Gaudapāda. Śaṅkara, como muitos acadêmicos creem, viveu no oitavo século. Sua vida, viagens, e trabalhos, como nós deduzimos de textos Digvijaya, possuía qualidades de um super-humano. Apesar de ele ter vivido apenas 32 anos, as realizações de Śaṅkara incluem viajar do sul ao norte da Índia; escrever comentários para os dez Upaniṣaḍs (consideramos mais importantes por ele); um comentário ao Brahma sūtra, o Bhagavad-gītā, e muitos outros textos (apesar de apenas estarem baseados na sua autoria), e fundara quatro pītas, ou centros, destacados da tradição Advaita, tendo seus pupilos como responsáveis. Śaṅkara teve supostamente quatro proeminentes discípulos: Padmapāda, Sureśvara, Hastamalaka, e Toṭaka. Padmapāda é tido como seu mais antigo estudante. O Pañchapadika, de Padmapāda, é um claro comentário sobre o bhāśya de Śaṅkara do Brahma Sūtra. Sureśwara escrevera, supostamente, o Naiṣkarmya Siddhi, um tratado independente sobre o Advaita. Mandana Miśra, no séc. VIII, um antigo aderente da escola rival do Bhatta Mīmāṁsa, é responsável pela versão do Advaita a qual foca-se na doutrina do sphota, uma teoria semântica sustentada pelo filósofo indiano da Linguagem, Sri Bhartṛhari. Miśra também aceita em grande extensão a junção da importância do conhecimento e ação (karma), como meios de liberação, conquanto que com Śaṅkara, apenas o conhecimento ou Jñāna é o único meio.

O Brahmasiddhi de Mandana Miśra é um trabalho significativo, o qual também marca uma forma distinta de Advaita. Duas grandes subescolas do Advaita Vedānta surgem depois de Śaṅkara: Bhamati de Vivarana. A escola Bhamati tem seu nome relacionado a Vacaspati Miśra (séc. IX), um comentador do Brahma Sūtra Śaṅkara Bhāśya, enquanto que a escola Vivarana recebe este nome depois do comentário de Prakashātman (séc. X) sobre o Pañcapadika de Padmapāda, o qual é referido como sendo um comentário sobre o Bhāśya de Śaṅkara ao Brahma Sūtra.

Os grandes nomes da tradição Advaita após Śaṅkara
Swami Vivekananda
Os nomes proeminentes da tradição do Advaita, posterior a Śrī Ādi Śaṅkara, são, Prakāsātman (séc. X), Vimukātman (sec. XI0, Sarvajñātman (séc. X), Śrī Harṣa (séc. XII), Citsukha (séc. XII), Ānandagiri (séc. XIII), Amalānanda (sec. XIII), Vidyāraṇya (séc. XIV), Śaṅkarānanda (séc. XIV), Sadānanda (se´c. XV), Prakāṣānanda (séc. XVI), Nṛsiṁhāśrama (séc. XVI), Madhusūdhana Sarasvati (séc. XVII), Dharmarāja Advarindra (séc; XVII), Appaya Dīkśita (séc; XVII), Sadaśiva Brahmendra (séc; XVIII), Candraśekhara Bhārati (XX), and Sacchidānandendra Saraswati (XX).Vivarana, o qual é um comentário sobre o Pañchapadika de Padmapāda, escrito por Vacaspati Miśra, é uma obra marco na tradição. O Khandanakhandakhadya de Śrī Harṣa, Tattvapradipika de Citsukha, Pañcadasi de Vidyāraņya, Vedāntasāra de Sadānandā, Advaitasiddhi de Madhusudana Saraswati, e o Vedāntaparibhasa de Dharmarāja Advarindra são alguns dos trabalhos memoráveis na tradição posterior do Advaita. Durante o o séc. XVIII e até o séc. XXI, há muitos santos e filósofos cuja a tradição tem raízes básicas ou em larga escala na filosofia do Advaita. Proeminentes entre os santos do séc. XX foram, Bhagavan Ramana Mahaṛśi, Swami Vivekānanda, Swami Tapovanam, Swami Chinmayānanda, e Swami Bhodhānanda (salientamos também Swami Śivānanda, de Riṣikeś, nota do tradutor). Entre os filósofos proeminentes da tradição Advaita há a grande contribuição de K.C. Bhattacharya, e TMP Mahadevan.

2. Metafísica e Filosofia
A filosofia Advaita clássica de Śaṅkara reconhece a unidade na multiplicidade; identidade entre o indivíduo e a consciência pura, e o mundo experenciado como não possuindo existência aparte do Brahman. Os maiores conceitos da metafísica na tradição do Advaita Vedānta, tais como māyā, mithya (erro no julgamento), vivarta (ilusão/redemoinho), têm sido objeto de uma variedade de interpretações. Sob algumas interpretações, o Advaita Vedānta é mal-comparado com uma filosofia niilista, que denuncia as questões do mundo vivido. 

2.1. Brahman, Jīvaīśvara, e Māyā
Para o Advaita Vedānta clássico, o Brahman é a realidade básica, fundamentando todos os objetos e experiências. O Brahman é explicado como pura existência, pura consciência, e pura bem-aventurança. Todas s formas de existência pressupõem um conhecimento do Ser. O Brahman, ou pura consciência, sustenta o conhecimento do Ser. A consciência, de acordo com a escola do Advaita, diferente das posições sustentadas por outras escolas de Vedānta, não é uma propriedade do Brahman, mas é a sua verdadeira natureza. Brahman é o uno sem-segundo; todo-impregnante, e a consciência imediata. Este Brahman Absoluto é conhecido como nirguna Brahman, ou Brahman “sem qualidades”, mas é usualmente chamado simplesmente de “Brahman”. Brahman é sempre declarado como o si mesmo, e constitui a realidade em todos os seres individuais, enquanto que a aparência de nossa individualidade empírica é creditada a Avidya (ignorância) e māyā (aspecto externo e ilusório). Assim, o Brahman não pode ser reconhecido como um objeto individual distinto do ser individual. No entanto, ele pode ser experenciado indiretamente no mundo natural da experiência, como um Deus pessoal, conhecido como saguṇa Brahman, ou Brahman com qualidades. Usualmente isso é referido como īśvara (o Senhor). A aparente pluralidade surge de um natural estado de confusão ou ignorância (avidya), inerente a maioria das entidades biológicas. Admitindo este estado natural de ignorância, o Advaita provisoriamente aceita a realidade empírica dos seres individuais; ideias mentais e objetos físicos, como uma construção deste estado natural de ignorância. Mas pelo ponto de vista do Absoluto, nenhum destes possui existência independente, mas estão fundamentados no Brahman. Do ponto de vista desta realidade fundamental, as mentes individuais, bem como os objetos físicos são apenas aparentes, não possuindo realidade permanente. O Brahman mostra-se como multiplicidade de objetos de experiência, devido ao seu poder criativo, chamado māyā. Māyā é aquilo que aparenta ser real na ocasião da experiência, mas o qual não possui existência última. Ele é dependente na pura consciência. O Brahman aparenta-se como múltiplo no mundo sem passar por uma mudança ou modificação intrínseca. Em momento algum o Brahman sobre mudanças no mundo. O mundo é porém avivarta, uma superimposição do Brahman. O mundo não é nem totalmente real nem totalmente irreal. Ele não é totalmente irreal na medida em que é experenciado. Ele não é totalmente real uma vez que está subentendido pelo conhecimento do Brahman. Há muitos exemplos dados para ilustrar a relação entre a existência do mundo e o Brahman. Os dois exemplos famosos são os do espaço num pote, versus o espaço de todo o cosmos (realidade indiferenciada, apesar de arbitrariamente sepada pelas contingências do pote, assim, o mundo está em relação ao Brahman), e o ser versos a reflexão do ser (o reflexo não tendo existência substancial separada do ser, assim como os objetos do mundo contam com o Brahman por substancialidade). A existência de um jīva individualizado, e o mundo, são sem começo. Nós não podemos dizer quando eles começaram, ou qual a causa é a primeira. Mas ambos têm um fim, o qual é o conhecimento do Brahman. De acordo com o Advaita Vedānta clássico, a existência do mundo empírico não pode ser concebida sem um criador, o qual é todo-conhecimento, e todo-poderoso. A criação, sustentação, e dissolução do mundo são administradas por Īśvara. Īśvara é a clara manifestação de Brahman. O Brahman com o poder criativo de māyā é īśvara. Māyā é tanto um aspecto individual (vyaśti), como cósmica (samaśti). O aspecto cósmico pertence ao uno īśvara, e o aspecto individual a avidya, pertencente aos muitos jīvas. Mas a diferença é que īśvara não é controlado por māya, enquanto que o jīva é dominado pelo avidya. Māyā é responsável pela criação do mundo. Avidya é responsável por confundir a existência separada entre o ser e o não-ser. Com esta confusão, avidya oculta o Brahman, e constrói o mundo. Por isso, as funções do Jīva como um fazedor (karta) e desfrutador (bhokta) de um mundo limitado. O retrato clássico talvez possa ser contrastado com as duas subescolas do Advaita Vedānta, que surgem depois de Śaṅkara: BhamatiVivarana. A diferença primária entre estas duas subescolas está baseada nas diferentes interpretações de avidya e māyā. Śaṅkara descreve o avidya como sem começo. Ele considera que a procura da origem do avidya em si é um processo fundamentado no avidya, e portanto, será infrutífera. Mas os discípulos de Śaṅkara dão maior atenção a este conceito, e assim originaram duas subescolas. A escola Bhamati deve seu nome a Vacaspati Miśra (séc. IX), quem comentou o Brahma Sūtra Bhāṣya de Śaṅkara. O asunto importante que distingue as escolas Bhamati e Vivarana é o posicionamento na natureza e centro de avidya. Conforme a escola Bhamati, o jīva é o centro e o objeto de avidya. Na escola Vicarana, o Brahman é o centro de avidya. A escola Bhamati sustenta que o Brahman não pode jamais ser o centro de avidya, mas é o controlado dele como īśvara. Pertencente ao jīva, tula-avidya, ou ignorância individual, realiza duas funções – venda o Brahman, e projeta (vikṣepa) o mundo distinto. Mula-avidya (“raiz da ignorância”) é a ignorância universal que equivale a Māyā, e é controlada por īśvara.

A escola Vivarana sustenta que apenas o Brahman existe; Brahman é o centro e objeto de avidya. Com a ajuda de discussões epistemológicas, a não-realidade da dualidade, entre o Brahman e o mundo, é estabelecida. A escola Vivarana, responde a questão pertinente à existência do Brahman, tanto como “pura consciência” e “ignorância universal”, reivindicando que a cognição válida (prama) presume o avidya, no mundo cotidiano, enquanto que a pura consciência é a natureza essencial de Brahman.

2.2. Três planos de existência
Sri Yantra, representação do Brahman
Há três planos de existência, de acordo com o Advaita Vedānta clássico: o plano da existência absoluta (paramarthika satta); o plano da existência terrena (vyavaharika satta), e o plano da existência ilusória (pratibhāsika). Os dois últimos planos da existência são uma função de māyā, e são de certa forma assim ilusórios. Uma existência pratibhāsika, tal como os objetos apresentados numa miragem, é menos real do que uma existência terrena. Sua correspondência irreal é, no entanto, diferente do qual caracteriza a não-existência absoluta ou impossível, tal como um lótus-céu (um lótus que cresce no céu), ou o filho numa mulher estéril. A existência independente de uma miragem e o mundo, ambos os quais são devidos a certa condição causal, cessa tão logo a condição causal mude. A condição causal é avidya, ou ignorância. A existência independente e a experiência do mundo cessa com o ganho do conhecimento de Brahman. A natureza do conhecimento de Brahman é que, “Eu sou pura consciência”. O estar-ignorante do jīva (ser individualizado) em que “eu sou limitado”, é repassado pelo conhecimento de Brahman em que, “Eu sou tudo”, acompanhado por uma reidentificação do ser com o Brahman transcendental. O conhecedor de Brahman vê a realidade uma não-plural em tudo. Ele não mais dá uma realidade absoluta para a existência independente e limitada do mundo, mas experimenta o mundo como uma expressão criativa da consciência pura. Os estados de vigília (jāgrat), sonho (svapna), e sono profundo (susupti), todos apontam para o quarto estado chamado turiya, pura consciência, o qual é realizado como o verdadeiro ser. A pura consciência não é apenas pura existência, mas também a bem-aventurança última, a qual é experienciada particularmente durante o sono profundo. Por isso acordamos renovados.

3. Epistemologia
A tradição Advaita propõem pelo menos três verificações da verdade: correspondência, coerência e eficácia prática. Estes são seguidos por uma quarta verificação da verdade: insustentabilidade-epistêmica[1] (abādhyatvam ou bādhaṛāhityam). Conforme o Vedānta Paribhāṣa (um texto clássico do Advaita Vedānta), “é válido aquele conhecimento o qual teve em relação ao seu objeto algo que é não-sustentável”. A não-sublocação é considerada o critério último do conhecimento válido. O teste epistêmico chefe da não-sublocação inspira uma restrição futura: fundacionalidade (anandhigatatvam, literalmente, “não conhecido anteriormente”). Este último critério da verdade é o padrão mais elevado que praticamente todo o conhecimento declara falho, e assim ele é o padrão para o absoluto, ou inqualificado, conhecimento, enquanto que o critério anterior é receptível ao que é do mundo, reivindica conhecimento do mundo. De acordo com o Advaita Vedānta um juízo é verdadeiro se ele permanece insublocável. O exemplo comumente utilizado, que ilustra não sublocação epistêmica é o da corda que aparece como uma cobra de certa distância (um exemplo comum da filosofia indiana). A crença de que alguém vê uma cobre nesta circunstância é errônea, de acordo como Advaita Vedānta, porque a crença da serpente está sublocada (e a representação visual de uma cobra) dentro do juízo do que alguém está realmente vendo uma corda. Outra cognição errada pode ser sublocada. A condição da fundacionaldade desqualifica a memória como meio de conhecimento. A memória é a recordação de alguma coisa já conhecida, e assim é derivada e não fundamento. Apenas o genuíno conhecimento do Ser, de acordo como Advaita Vedānta, passa no teste de Fundacionalidade: ele nasce do conhecimento imediato (aparokṣa jñāna) e não da memória (smṛti). São aceitas seis vias naturais do conhecimento, como meios válidos do conhecimento (pramāṅa), pelo Advaita Vedānta: percepção (pratyakṣa), inferência (anumāna), testemunho verbal (śabda), comparação (upamana), postulação (arthapatti), e não-apreensão (anaupalabdhi). Os Pramānas não se contradizem uns aos outros e cada um deles se apresenta como um tipo distinto de conhecimento. O conhecimento não-fundacional de Brahman não pode ser tido por nenhum meio senão através de Śruti, o qual é o conhecimento desvelado na forma dos Vedas (dos quais os Upaniṣaḍs formam a parte mais filosófica). Inferência e outros meios do conhecimento não podem ser determinadamente desvelados na verdade do Brahman como seus próprios. Portanto, os Advaitins reconhecem em adição ao Śruti, que alguém requer yukti ou razão, e anubhava, experiência pessoal, para realizar o conhecimento do Brahman. Mokṣa ou liberação, o qual consiste na cessação do ciclo de vida e morte, governado pelo karma do ser individual, é o resultado do conhecimento do Brahman. Como o Brahman é idêntico com o Ser universal, e este Ser é sempre autoconsciente, ele deverá ver que o conhecimento do Brahman é autoconhecimento, e que este autoconhecimento está sempre presente. Se é assim, parece que a ignorância é impossível. Alem disso, no adhyāsa bhāṣya (o preâmbulo do comentário o Brahma Sūtra) Śaṅkara diz que a pura subjetividade – o Ser ou Brahman – jamais pode se tornar objeto do conhecimento, assim como o objeto jamais pode ser sujeito. Isso sugere que o autoconhecimento que alguém ganha tendo em vista alcançar a liberação é impossível. A resposta de Śaṅkara para este problema é considerar o conhecimento do Brahman, que é necessário para a liberação, deriva-se das Escrituras, sendo distinto da autoconsciência de Brahman, e que especialmente um conhecimento prático é que remove a ignorância, a qual é um obstáculo para iluminação da sempre presente autoconsciência do Brahman, que faz a prova da fundacionalidade. A ignorância, no seu turno, não é uma característica do Ser último em sua classificação, mas uma característica do ser individual, que é, no final das contas, irreal. Quatro fatores estão envolvidos numa percepção externa: o objeto físico; o órgão do sentido; a mente (antaḥkarana) e a auto-cognição (pramata). Apenas a auto-cognição é autolumiosa, e o restante três fatores não são autoluminosos, sendo desprovidos de consciência. É a mente e os órgãos dos sentidos os quais relatam o ser cognoscente para o objeto. Apenas o ser é o conhecedor, e o resto é conhecido como objetos do conhecimento. Ao mesmo tempo, a existência da mente é indubitável. É a mente quem ajuda a distinguir entre as várias percepções. É devido a natureza autoluminosa (svata-prakāṣa) da consciência pura que o sujeito conhece, e o objeto é conhecido. No comentário do Taittirīya Upaniṣaḍ, Śaṅkara diz que, “a consciência é a verdadeira natureza do Ser, e inseparável d’Ele”. O ser cognoscente, o objeto conhecido, o objeto do conhecimento, e os meios válidos do conhecimento (pramāṅa), são essencialmente manifestações da consciência pura.

3.1. Erro, Verdadeiro Conhecimento, e Ensinamentos Práticos
Sivalinga, forma 'sem forma' de Brahman
Śaṅkara usa ahyāsa para indicar ilusão – objetos ilusórios da percepççao bem como percepção ilusória. Duas outras plavras, as quais são utilizadas, e que denotam o mesmo, são, adhyāropa (sobreposição), e avabhāsa (aparência). De acordo com Śaṅkara, o caso da ilusão envolve tanto a sobreposição como aparência. Adhyāsa, como ele diz, é um preâmbulo para o Brahma Sūtra; é a apreensão de algo com alguma coisa mais, com dois tipos de confusão tais como um objeto e suas propriedades. O conceito de ilusão, no Advaita Vedānta, é significativo, porque conduz à teoria de um “substrato real” (ou verdadeiro). O objeto ilusório, com o objeto real, tem um lócus definido. De acordo com Śaṅkara, o adhyāsa não é possível sem um substrato. Padmapāda diz no Pañcapadika que o adhyāsa é sem um substrato, não tendo nunca sido experenciado e é inconcebível. Vacaspati afirma que ali não pode ser a causa da ilsuão, onde o substrato é inteiramente compreendido ou não compreendido, de modo algum. A teoria do erro no Advaita (conhecida como anirvacanīya khyāti, ou a compreensão do indefinido), sustenta que a percepção do objeto ilusório é um produto da ignorância acerca do substrato. Śaṅkara caracteriza a ilusão em duas vias no seu comentário sobre o Brahma Sūtra. O primeiro, é é uma aparência de alguma coisa previamente experimentada – como a memória – em algo mais (smṛtirupaḥ paratra pūrva dṛṣṭaḥ avabhāsah). O segundo é a caracterização minimalista – a aparência de uma coisa com propriedade de outras (anyasya anyadharma avabhāsatam). Śaṅkara dedica a introdução do seu comentário sobre o Brahma Sūtra, à ideia de adhyāsa, devido a percepção ilusória relacionando tanto a experiência diária e também as entidades transcendentes. Essa introdução, chamada de adhyāsa bhāṣya (comentário sobre ilusão), apresenta uma posição realística e uma metafísica aparentemente dualista: “Uma vez que é num fato estabelecido que o sujeito e o objeto são apresentados como yusmad – ‘você’/o outro, e asmad – ‘eu, são por natureza contraditórios, e suas qualidades também são contraditórias, como luz e escuridão não podem ser idênticas”. Pluralidade e ilusão, por sua vez, são construídas como resultado da sobreposição cognitiva da categoria dos objetos na pura subjetividade. Enquanto as duas categorias conceituais são sobrepostas para criar os objetos da ilusão, a visão do Advaita Vedānta é que a única via possível de descrever metafisicamente o objeto da ilsuao é com a ajuda de uma característica, a não ser da não-existêcnia e existência, as quais são designadas como “indeterminadas” (anirvacaniya) a qual de certo modo também conecta as duas possibilidades usuais de existência e não-existência. O objeto de ilusão não pode ser logicamente definido como real ou irreal. O erro é a apreensão do indefinível. É devido à “transferência ilegítima” das qualidades de uma ordem para outra. A ilusão perceptual forma a ponte entre a soterologia do Advaita, por um lado, e sua teoria da experiência, por outro. O relacionamento entre a experiência da liberação nesta vida (mukti) e a experiência diária é vista como análoga à relação entre o sentido da percepção verídica e ilusória. Śaṅkara formula uma teoria do conhecimento de acordo com suas visões soterológicas. O interesse de Śaṅkara assim não é de construir uma teoria do erro e deixar por si mesmo, mas conectar a sua teoria à realidade última da consciência do Ser, a qual é o único estado que pode ser verdadeiro de acordo com o seu critério duplo para a verdade (não-substancialidade e fundacionalidade). A característica da indeterminação que qualifica os objetos de ilusão é que os quais não são reais e nem irreais mas aparecem como um lócus real. Isso serve como um contraste nítido à meta soterológica do Ser, o qual é verdadeiramente real e determinado. Na base da sua teoria do conhecimento, Śaṅkara elucida as quádruplas ou qualificações (mental e físicas), sādana catuṣṭaya, para almejar a o alcance da liberação: (i) viveka, ou discernimento, entre o permanente (nitya) e o impermanente (anitya) dos objetos da experiência; (ii) desapego em relação ao desfruto dos frutos da ação aqui e nos ‘céus”; (iii) realização dos meios de disciplina como, calma, controle mental, etc.; (iv) uma vontade por liberação. No seu comentário sobre o Brahma Sūtra, Śaṅkara diz que a investigação ao Brahman deve iniciar depois destas quádruplas qualificações. O conceito de liberação (mokṣa) no Advaita é resgatado em termos de Brahman. Os caminhos para liberação são definidos para remover a auto-ignorância, que se dá através da remoção de mithyajñāna (errônea afirmação de conhecimento). Isso está capturado na fórmula de um Advaitin: “[Ele] jamais é nascido quem conhece que ele é o único uno em todos os seres, assim como o éter em todos os seres está nele” (Upadesa Sahasri XVII.69) (referência ao Ākaśa ou espaço; não confundir com algum princípio aéreo. N.T.) Muitos pensadores na historia da filosofia indiana têm mantido que aqui há uma importante conexão entre a ação e a liberação. Em contraste, Śaṅkara rejeita a teoria do jñāna-karma-samuccaya, a combinação de karma (obrigações védicas) com conhecimento do Brahman, que conduz à liberação. Apenas o conhecimento de Brahman é o caminho de liberação para Śaṅkara. a regra da ação ou karma é para purificar a mente (antaḥkaranasuddhi), tornando-a livre do gosto e desgosto (raga dveṣa e vimuktaḥ). Tal mente (assim purificada) será instrumento para conhecimento do Brahman.

4. Referências e escritos recomendados
a. Origens primárias
  • Alladi Mahadeva Sastri (Trans.). The Bhagavad Gita with the commentary of Śrī Śaṅkara. Madras: Samata Books, 1981.
  • Madhusudana, Saraswati. Gudartha Dipika. Trans. Sisirkumar Gupta. Delhi: Motilal Banarsidass Pubs., 1977.
  • Brahma Sūtra Śaṅkara Bhāṣya: 3.3.54. Found in, V.H. Date, Vedānta Explained: Śaṅkara’s Commentary on the Brahma-Sūtra, vols. 1 and 2 (Bombay: Book Seller’s Publishing Com., 1954).
  • Date, V. H. Vedānta Explained: Śaṅkara’s commentary on the Brahma Sūtra. Vol. I. Bombay: Book Seller’s Publishing Company, 1954.
  • Taittiriya Upaniṣad Śaṅkara Bhāṣya: 2.10. Found in Karl H. Potter, Gen. Ed. Encyclopedia of Indian Philosophies, Vol. III. 1st Ind. ed. Delhi: Motilal Banarsidass Publishers, 1981.
  • Upadesa Sahasri of Śaṅkaracharya, Trans. Swami Jagadananda. Mylapore: Śrī Ramkrishna Math, 1941.
  • Dṛg-dṛṣya Viveka of Śaṅkara. Trans. Swami Nikhilananda. 6th ed. Mysore: Śrī Ramakrishna Ashrama, 1976.
b. origens secundárias
  • Potter, Karl H. Advaita Vedānta up to Śaṅkara and his Pupils. Vol. III of Encyclopedia of Indian Philosophies. Delhi: Motilal Banarsidass, 1981.
  • Mahadevan, T M P. Śaṅkara. New Delhi: National Book Trust, 1968.
  • Mahadevan, T M P. Superimposition in Advaita Vedānta. New Delhi: Sterling Publishers Pvt. Ltd., 1985.
  • Satprakashananda, Swami. Methods of Knowledge According to Advaita Vedānta. Calcutta: Advaita Ashrama, 1974.
  • Dasgupta, Surendranath. A History of Indian Philosophy. Vol. I. Delhi: Motilal Banarsidass, 1975.
  • Radhakrishnan, S. Indian Philosophy. Vol. II. Delhi: Oxford University Press, 1940.
  • Rangacarya, M. (Trans.). The Sarva Siddhānta-Saṅgraha of Śaṅkara. New Delhi: Ajay Book Service, 1983.
Informações sobre a autora:
Sangeetha Menon
National Institute of Advanced Studies Indian
Institute of Science Campus, Bangalore, India
Last updated: January 5, 2007 | Originally published: January/5/2007
Categories: Indian Philosophy

Referência no texto
PADOVANI, Umberto & CASTAGNOLA, Luís. História da filosofia. 17ª ed., São Paulo, Melhoramentos, 1995, 589 pgs.




[1] A palavra em inglês é “epistemic-nonsublatability”, uma expressão “emprestada” do Latim, advinda da Lógica formal; também poderíamos colocar “não-sustentabilidade” (no sentido que não possui apoio na lógica). NT.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A Alma na Filosofia do Sanatana-Dharma

A Alma na Filosofia do Sanatana-Dharma
no 
Advaita Vedanta Vada

Swami Krishnapriyananda Saraswati

Gita Ashrama

2010

"Criação do Homem", Miguel Ângelo


Apresentação
O conceito de “alma” no Sanatana-dharma é ligeiramente diferente do conceito prevalecente da cultura ocidental, no mais das vezes dualista, e que está relacionado aos princípios judaico-cristãos (isso inclui as religiões de derivação cristã, islâmica ou muçulmanas e judaicas).

Nos textos do Sanatana-dharma, a palavra alma aparece, às vezes, como Atma, Purusha, Jiva, Mahapurusha, Paramatma, etc. Cada uma destas palavras deverá ser analisada de acordo com o contexto da escritura onde ela aparece. Apesar de a palavra ser diferente, ela se refere à mesma coisa, ou seja, àquilo que dá consciência e vida a um corpo, bem como dá razão de ser às coisas vivas. É um principio “vitalista”, porém transcendental.

O conceito original do termo Atma ou alma, segundo os Vedas, não é distinto do Supremo, ou Absoluto, uma vez que a filosofia védica é, de certo modo, "emanacionista". Mantendo-se  as devidas separações de conceitos, isso quer dizer que as “almas são emanações da alma Suprema”, também dita Paramatma. Mas compreenda-se que a filosofia védica original é Advaita (sem-segundo), também chamado de “monista”, não separando a alma individualizada, e ou incorporada, da alma Suprema. Existe a analogia que diz que, “Assim como a água de um poço contém a mesma água de um rio, a alma individual é a mesma sempre”, a alma é uma “emanação” do Brahman, e ainda que aparentemente diferente, é totalmente igual a Ele. (B.gita, 2.46)[1]. Por conseguinte, de acordo com a filosofia do Sanatana-dharma, não há “criação de almas”, apenas “emanações do Supremo”, que são infinitas devido a natureza Absoluta do Brahman. Os conceitos, dualista e criacionista de alma, em alguns seguidores indianos, surgem a partir da influência do Cristianismo, principalmente neo-platônico, numa tentativa de explicar a imensa variedade de seres humanos (uma vez que os animais e outros seres vivos não possuem alma, segundo o Cristianismo original). Para o Cristianismo antigo, uma espécie de Judaísmo que aceitava um messias, somente as pessoas possuíam alma. Até mesmo, somente as pessoas brancas e batizadas, possuíam alma, e todas as demais seriam “gentios”, ou seja, animais com aparência de gente, porque não possuíam ou ainda não tinham penetrado uma alma. Eram por isso “indigenius= sem alma”. Portanto, para se tornar “pessoa”, alguém deveria ser “batizado” na religião cristã ou do grupo Abrâhmico (referente a Aabrão), caso contrário, iria permanecer pagã (pagador de pecados), e gentio, ou seja, animal com aparência de gente, jeito de gente, porém sem “alma”. Daí o leitor pode entender a origem dos termos “índia”, “indígena”, e assim por diante.

O dualismo platônico, advindo naturalmente da influência dos Gregos da costa na Anatólia, passou para alguns indianos, dando um novo colorido para aqueles que não queriam aceitar o Cristianismo como religião, mas que agora não tinham como abrir mãos da “individualidade”, propagada como princípio cristão. Apesar de encontrarmos citações como “Eu e o Pai somos um”, nas Escrituras do Novo Testamento, por exemplo, o conceito de dualismo permanece por entre as fileiras dos seguidores cristãos. O principal motivo desta divisão dualista radical deveu-se a filosofia de Platão, que surgiu como uma resposta à carência de uma sustentação filosófica para o novo credo. O grande incentivador da filosofia platônica foi Agostinho. Mas a filosofia dualista ingênua de Platão foi aos poucos substituída pelas interpretações de Aristóteles, principalmente propalada por Thomas de Aquino. O Tomismo de Aquino aceitava a idéia dual de alma e intelecto, conceito presente em Aristóteles, mas negava o “pecado do Demiurgo”, defendido por Platão. Este filósofo, dizia que as almas caídas do Mundo das Idéias, por uma inveja dos deuses, vinham para desfrutar deste mundo de arremedos e simulacros, pensando que a falsa realidade do mundo seria o verdadeiro. É celebre a Alegoria da Caverna de Platão, onde Platão fala que pessoas acorrentadas dentro de uma caverna, e de costas para a entrada, pensam que as sombras e vozes refletidas no fundo da caverna, de pessoas que passam no outro lado, constituem a verdadeira realidade, quando, no entanto, a verdadeira realidade está fora da caverna, e sequer é percebida por eles.

Aquele conceito de “mundo de representação” platônico caiu como uma luva para o conceito védico de “maya”, conceito que os indianos dualistas não tinham como explicar de outro modo. Originalmente, “maya” significa: “de mim”, ou seja, aquilo que é partido da própria vontade do Supremo ou Brahman, originado Brahma, que criou o mundo material, que de alguma forma o fez para atender a busca pelo gozo dos sentidos das almas iludidas, e pelo qual as almas condicionadas materialmente neste mundo se aprisionam pelo Samsara.

Explicações dos Puranas
Nas obras comentadas dos sábios, portanto do Smriti com os Puranas, encontramos várias colocações sobre a alma. Os conceitos que estão nos Puranas são advindos dos Upanishads, um conjunto de textos de elevada filosofia, onde são mencionados os aspectos do Jiva e do Paramatma. 

No Vishnu Purana, como no seu derivado, Bhagavata-Purana, o Senhor Krishna dirige-se a Uddhava falando da inutilidade ou futilidade das luxúrias celestes e mundanas. Ele faz comparações dizendo que “Este corpo humano é como uma árvore, na qual dois pássaros – Jivatma e Paramatma (a alma individual e a alma Suprema) – se abrigam. Dois frutos, felicidade e sofrimento, aparecem nela. Jivatma, a alma individual, como destes frutos, enquanto o Paramatma, a alma Suprema, fica como um espectador indiferente”. Ainda que esta explicação nos pareça dualista, ela é profundamente monista, porque caso considerássemos o fato da diferença do Jiva e do Paramatma em termos de unidade, então teríamos que definir um corpo humano com duas almas, e não uma. Mas esta citação fala da qualidade de “maya” enquanto a alma está corporificada, que se enreda nos pares de opostos do mundo material. Para esclarecer isso, o Senhor Krishna diz no Vishnu Purana, “Há três tipos de Jiva: Baddha (atada), Bhakta (devoto), e Mukta (liberado). Baddha Jivas ou almas aprisionadas ou atadas, são aquelas que cedem aos prazeres sensuais, e que não gostam da companhia dos piedosos. Mukta Jivas ou almas liberadas, são aqueles que estão livres dos apegos e amarras materiais. Os Bhaktas Jjivas ou devotos, são aqueles que estão meditando em Mim, e que dedicam tudo aos Meus pés, tendo amor por Minhas virtudes. Meus devotos são afáveis, livres de falhas, tolerantes, possuem sentimento de fraternidade por todos, e controlam seus desejos”.

O sentimento de amor pelo Supremo é, de fato, o que pode liberar uma alma condicionada no mundo material, porque é aproximar-se da sua própria natureza divina e eterna.

No Siva Purana, Suta Deva diz que, pelo fato da existência de oito tipos de cativeiros neste mundo material, a alma é, também, conhecida como Jiva. Isso porque, a palavra sânscrita “jiva” tem uma relação com “jihva’, que quer dizer “língua”, o órgão do sentido que desfruta os sabores. Suta continua: “Os oito cativeiros são: a natureza, a inteligência qualitativa, o ego e o Panchatanmatras, isso é, a audição, o tato, a visão, a gustação e o olfato”. Os órgãos dos sentidos são responsáveis pelos sentidos correspondentes, e o Jiva, alma condicionada, deixa-se levar por eles, mesmo sendo Maya, como se fossem verdade absoluta.

Hyranyagarbha (Ovo Còsmico)
Segue o Siva Purana, dizendo: “Cada alma está aprisionada naqueles oito aspectos da natureza material. As ações realizadas como resultado daqueles cativeiros são chamadas de Karma”. De fato, segundo a filosofia do Sanatana Dharma, as almas tomam um nascimento num ciclo que está aprisionado nos efeitos de seus Karmas. Para alguém liberar-se deste Karma resultado das ações deverá saber controlar os oito Chakras sutis. O Siva Purananada mais do que oito formas da natureza material”. O Senhor Supremo, Siva, está além do alcance destes oito Chakras, mas tendo pleno controle deles. Afirma o Purana, que uma pessoa pode alcançar a liberação dos cativeiros do mundo apenas por intermédio da adoração do Sivalinga, uma vez que o Linga é tanto uma forma grosseira como sutil. Há, também, cinco tipos de Lingas na Terra, a saber: Swayambhu Linga, Bindu Linga, Pratisthit Linga, Char Linga, e Guru Linga. Então, uma pessoa que possui desejos de prazeres mundanos deverá adorar o Linga na forma de grosseira do Sivalinga, e aqueles que desejam alcançar a liberação do mundo material deverão adorar a forma sutil do Sivalinga. refere-se aos oito Chakras como “...

Explanações de Sri Adi Sankaraka
Sem dúvida as explicações de Sri Adi Sankara Acharya são as mais notáveis e esclarecedoras a respeito da alma e da sua “constituição” e da sua relação com o Supremo. Ele nos mostra a clara distinção entre uma “evolução objetiva” e uma “evolução subjetiva’, ou seja, entre uma aparente “evolução” das coisas materiais, fenomênicas ou objetos do mundo material, e o Atman, o Ser ou Brahman, que é eterno, sempre existente e perfeito.
Swami Sivananda escreve com muita clareza os aspectos defendidos com objetividade e conclusões lógicas a respeito da alma.

 “De acordo com Sri Sankara, há o uno e Absoluto Brahman que é Sat-Chit-Ananda, que é de uma natureza absolutamente homogênea. A aparência deste mundo é devido a Maya – o poder ilusório do Brahman, o qual não é nem Sat nem Asat (ser e não-ser). Este mundo é irreal. Este mundo é um Vivarta ou de modificações aparentes por intermédio de Maya. O Brahman é aparente neste universo por intermédio de Maya. O Brahman é o único que é real. A alma individual está limitada por si mesma, através do Avidya (ignorância), tendo identificação com o corpo e outros veículos (como os órgãos dos sentidos). Através de ações egoístas ela desfruta dos frutos das ações, tornando-se ator e desfrutador de suas ações; considera-se a si mesmo como atômico e como sendo um agente, devido ao Avidya ou ignorância, na realidade, os limites do Antahkarana. A alma individual torna-se una com o Brahman quando sua ignorância é destruída. Na realidade, o Jiva (alma individual), é todo permeado e idêntico ao Brahman. Isvara ou Saguna Brahman (Brahman com qualidades), é produto de Maya. A adoração de Isvara leva ao Karma Mukti. Os devotos piedosos (conhecedores de Saguna Brahman), vão ao Brahma Loka e alcançam a liberação final por intermédio de um elevado conhecimento. Eles não mais retornam a este mundo. Eles alcançam Nirguna Brahman no final do ciclo. O conhecimento de Nirguna Brahman é o único meio de liberação. Os conhecedores de Nirguna Brahman alcançam imediatamente a realização final ou Sadyomukti. Eles não necessitam ir pelo caminho dos semideuses, ou o Devayana. Eles mergulhem em si mesmos no ParaBrahman. Eles não vão para qualquer outro Loka ou mundo”. Como vemos, o Brahman para Sri Sankar é Nirvisesha Brahman, ou Absoluto Impessoal; Brahman sem atributos.

A ratificação do Vedanta-sutras
Com certeza, o Brahma-sutras ou Vedanta-sutras é o texto considerado definitivo para o entendimento da questão da alma individual e a sua condição de igualdade com o Supremo. Uma escola para ser aceita como uma escola Vaidika, deverá ter um comentário consistente do Brahma-sutra. A inexistência deste comentário, que possa ser refutado ou concordado, é uma clara manifestação de que se trata de uma “seita” ou alguma manifestação política ou ideológica, mas não de um ramo autêntico do Vaidika-dharma. Todos os Acharyas são unânimes em aceitar este ponto. Aqueles que refutam isso, de uma certa forma, refutam os Vedas, uma vez que Brahma-sutra é uma explicação de Sri Vyasa sobre os Vedas.
Mostra-nos um particular interesse o verso II.2.42, daquela magna obra do Vedanta, um verso que trata da refutação da escolha Pancharatra ou Bhagavata, onde diz:

“utpattya-sambhava-adhikaranam”


Este sutra, sendo direto e objetivo, diz com toda a clareza que “utpatti’, ou causação, origem e criação; “asambhavat”, é impossibilidade. Ou seja, a doutrina criacionista ou doutrina Bhagavata ou Pancharatra é aqui refutada. Swami Sivananda escreve que, “De acordo com os Shastras, o Senhor é a causa eficiente bem como material do universo (introdução de conceitos aristotélicos, trazidos pelos árabes, Averrois e Avicena para a Índia). Segundo nosso entendimento, isso está de acordo com as Escrituras ou Shruti, portanto, possui autoridade. Uma parte do sistema de Pancharatra concorda com o sistema Vedanta. Nós aceitamos este aspecto. Mas outra parte do sistema, entretanto, está aberta a objeção, vejamos: Os Bhagavatas dizem que Vasudeva, cuja natureza é puro conhecimento, é o que existe na realidade. Mais, Ele divide-se a si mesmo em quatro e aparece em quatro formas (Vyuhas), como: Vasudeva, Sankarshana, Pradyumna, e Aniruddha. Vasudeva denota o Ser Supremo; Sankarshana, a alma individual; Pradyumna, a mente, e Aniruddha, o princípio do egoísmo, ou Ahamkara. Destes quatro, Vasudeva constituía Causa Última, da qual as três outras são efeitos. Eles, também, dizem que pela devoção por um longo período a Vasudeva, através do Abhigamana (ir ao templo com devoção); Upadana (segurar os acessórios da adoração); jiya (oblação, adoração), Svadhyaya (estudo das sagradas Escrituras, e recitação de Mantras), e Yoga (meditação reverente), nós podemos passar além de todas as aflições, dores e sofrimento, alcançando a liberação e o Ser Supremo. Isso, também, nós aceitamos. Mas contestamos a doutrina de que Sankarshana (o jiva ou alma individual), é nascida de Vasudeva e assim por diante. Tal criação não é possível. Se há tal nascimento, e se a alma é criada, ela deverá estar sujeita a destruição (porque tem origem), e por conseguinte não haverá liberação. O fato de alma não ser criada está mostrado no Sutra 3.17. Portanto, por essa razão, a doutrina Pancharatra não é aceita”.

O verso do Brahma-sutras, citado, II.3.17, diz o seguinte:

“natma, asruter-nityatvat cha tabhyah”

“A alma individual não é produto, porque nem mesmo está citado isso nas Escrituras, e Ela é eterna, de acordo com os textos Shrutis”.

De acordo como Sankara Acharya, e citado por Swami Sivananda, no Aitareya Upanishadcomeço da criação havia apenas o Brahman único, sem um segundo (I.1)”. Portanto, não nos parece ser razoável o fato que a alma individual é não-nascida, porque ela nada mais é do que Brahman em si mesmo. está declarado:No Brihana Upanishad, temos: “Assim como estas partículas saem do fogo, assim do Atman todos os Pranas, todos os mundos, todos os deuses emanam” (Bri. II.1.20). E no Mundaka, temos: “Assim como as fagulhas do fogo, sendo da mesma natureza do fogo, voam em milhares de partes, assim também os vários seres saem do Imperecível, meu amigo, e retornam para Ele também (Mu, II.1.1)”.

A escola criacionista afirma que a alma individual nasce e inicia a ter um ciclo, do mesmo modo como o Akasha, e outros elementos a partir dele, nascem. Podemos dizer que há centenas de refutações à tese criacionista nos Vedas e nos Upanishads. Swami Sivananda, por sua vez, diz com toda a clareza: “ A doutrina de que as almas nascem de Brahman não está correta. Aqueles que, propõe  esta doutrina, declaram que as almas nascem de Brahman, que pelo conhecimento do Brahman tudo pode se tornar verdadeiro, porque Brahman é a causa do conhecimento da causa que conduzirá ao conhecimento de todos os objetos. Também, eles dizem que o Brahman não pode ser identificado com a alma individual, porque Ele é puro e sem pecado (termo incorporado devido ao cristianismo), enquanto que as almas individuais não são. Eles, também, dizem que tudo que está separado é um efeito, e que como as almas são separadas – do Brahman – elas também são um efeito”.

Mas, de fato, “As almas não são separadas". Os Shruti declaram: ‘Há o Deus uno escondido em todos os seres; todo-penetrante; o Ser interior de todos os seres (Svet. Vi.11)’. Ele apenas parece dividido devido aos Seus adjuntos, como a mente e assim por diante, assim como o éter aparece divido por sua conexão com um jarro e semelhantes (o Akasha é o espaço, e um jarro divide aparente mente o Akasha em lado de dentro de fora, mas ao quebrar-se, isso se desfaz). É a conexão do Brahman com o intelecto que conduz o Seu ser chamado Jiva, ou alma individual. O éter de um pote é idêntico como éter no espaço”.

Percebemos, portanto, que as objeções ao que foi dito acima não podem ser sustentadas devido a identidade da alma individual com o Brahman. Por conseguinte, não há nenhuma contradição na declaração dos Shrutis, de que “... com o conhecimento do Brahman nós poderemos conhecer tudo”. Então, uma suposta originação de almas está apenas referenciado ao corpo, e não a alma em si mesma.

O Brahma-sutra, segue discutindo esta questão da alma no Sutra seguinte, II.3.18, onde diz:

jña-adhikaranam

“Por esta razão (o fato de a alma não ser criada), ela é inteligência”.

A doutrina do Sankhya diz que a alma é sempre “chaitanya”, ou consciência pura na sua própria natureza. Por sua vez, a filosofia do Vaisheshika, diz que a alma individual não é inteligente por natureza, porque não é encontrada no estado de sono profundo. Ela se torna inteligente quando no estado desperto, quando unida com a mente. Portanto, a inteligência da alma é devido a sua conjunção com a mente, de um modo semelhante como o ferro fica vermelho no fogo.

Conclusão
Há grande distância entre o dualismo ingênuo, nascido da influencia cristã, do monismo puro ou Kevala Advaita, filosofia original dos Vedas. Entendemos que a teoria criacionista da alma nasceu da necessidade de os sacerdotes cristãos primitivos explicarem a diversidade de seres vivos, principalmente seres humanos, bem como a razão da finitude. Aos poucos, a teoria criacionista ganhou adeptos e refutadores. Confusos pelo fato de existir uma evolução objetiva – material e fenomênica –, e desconhecerem uma subjetiva – do Atma em relação a sua condição de pureza ou Brahman, os adeptos do Dvaita fizeram uma doutrina tentando acomodar suas ansiedades da realização de uma vida sem sofrimentos (livre do Dhukha-traya), numa filosofia escatológica. Isso é uma semelhança inequívoca com a idéia do paraíso judaico-cristão, que, por sua vez, tem suas origens na religião do povo egípcio. Basta ver os preparativos deixados nas tumbas e pirâmides, onde todo um aparato para um “vida futura” acompanham a múmia de um faraó ou grande homem. Esta idéia escatológica ganha grande impulso a partir das respostas dadas aos que não tinham a lei do Karma como referência, refutando-a diante de uma apocatástase, ou liberação de todos os pecadores no final dos tempos.

A filosofia védica defende a não-criação da alma, o fato de ser eterna e sempre existente, e este conceito aparece em livros mais populares como o Bhagavad-gita, no capítulo 2, por exemplo, onde lemos:
  
“Em qualquer tempo, nunca se nasce ou se morre; mesmo vindo-a-ser, nunca se deixa de existir, e mesmo não-nascido, continua a ser. O Ser ou Atman, é o eterno ancestral, não nascido, sempre existente, e que nunca morre, mesmo quando o corpo é morto. 2.20 Conhecendo-se que o Ser ou Purusha é indestrutível, e que é não-nascido, eterno e imutável, ó Partha, como poderás causar ferimentos ou matar alguém? 2.21 o Ser ou Alma nunca pode ser cortado em pedaço, por qualquer instrumento, nem tampouco queimado pelo fogo, umedecido pela água ou seco pelo vento. 2.23 Este ser ou Alma é inquebrantável, e impossível de queimar; é insolúvel e não pode secar, e, com certeza, está penetrado em todos, sendo eterno e imutável, sendo sempre o mesmo. 2,24 Está dito (ns Escrituras), que este ser é invisível, inconcebível; portanto, conhecendo bem, isso (de morte do corpo), não deve ser lamentado; 2.25. Imanifesto é o Ser ou Atma no começo, e no meio, ó Bharata; é manifesto e de novo imanifesto, enquanto o corpo é destruído. 2.28. Alguns vêem o Ser como uma maravilha, e outros assim tratam de explicá-lO. Outros ouviram que o Ser é muito maravilhoso; e há outros que, tendo escutado sobre Ele, nunca entendem tal coisa. 2.29. O encarnado é eterno, não pode ser morto. Isto, ó descendente de Bharata, é igual com todas as entidades vivas. Portanto, tu não deves nunca te lamentar. 2.30.

A natureza eterna e indestrutível da alma, bem como o fato de ser incriada, está amplamente descrita nos textos védicos Vaidika-dharma. Esta visão incriacionista é o tópico fundamental do Kevala-Advaita, ou monismo puro.

Hari hara om tat Sat

                    
Referências Bibliográficas
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 ZIMMER,      Heinrich. Filosofias da India. 5ª reimp,. São Paulo, Palas Athena, 2000.


[1] Diz o verso mencionado: “Similarmente, assim como num poço encontramos água em todos os seus aspectos, como na corrente de um rio, o Brahmana possuidor do conhecimento pleno dos Vedas, possui toda a riqueza