quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Por Que Não Somos Budistas II

Por Que Não Somos Budistas II

SWAMI KṚṢṆAPRĪYĀNANDA SARASWATI


Gīta Āśrama
2010

Immanuel Kant – filósofo iluminista do sec. XVII, que se inspirou em Śrī Kumārīla Bhāṭṭā, sec. VI
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O
 leitor precisa conhecer a verdade, e saber que “hinduísmo” é distinto do budismo. (veja mais em Por que não somos Budistas I) O Sanātana-dharma é anterior a quaisquer denominações posteriores, bem como anterior à divisão sectária e sionista religiosa que hoje se conhece no mundo. Convém salientar, que budismo e hinduísmo (ainda que este último termo seja pejorativo, porque se refere a um “povo ignorante” – hindu tem a mesma origem que “indigente”, ou seja, sem gênio, sem alma, etc.) - não são possíveis de conciliação, porque o primeiro é ateu, niilista e agnóstico, enquanto o Sanātana-dharma é teísta, panteísta, e têm no conhecimento do Ser ou Ātma o fundamento. Portanto, não há como colocar os dois. “hinduísmo” e budismo (do smuitos que há) em conjunto e considerá-los uma só e mesma coisa, porque um contradiz o outro. Quem defende o contrário, com certeza, é tão confuso quanto sua tese insustentável. De fato, Lógica não é o forte dos budistas.



Contexto histórico
A forma como os budistas – século VII - vinham mantendo o povo da Índia sob o viés materialista e ateu chamou a atenção de estudiosos e acadêmicos daquele continente - legado dos insuperáveis Vedas, textos considerados falhos pelos budistas. É certo que foram longos anos de quase total esquecimento do Sanātana-dharma, ridicularizado pelos niilistas defensores e seguidores do budismo, comerciantes e articuladores políticos. Contudo, isso também serviu para o fortalecimento de uma resistência coerente e definitiva contra a visão materialista e ateia que se formou. Entre os principais críticos da visão contrária ao Sanātana-dharma, portanto contra as teses budistas, encontramos o eminente filósofo indiano, Śrī Kumārīla Bhāṭṭa.

Aparecimento de Kumārīla Bhāṭṭa
Pouco sabemos da biografia de Kumārīla Bhāṭṭa, mas ele ficou muito famoso devido  as Suas teses embrionárias do renascimento do Mimāṁsa no século VII. Kumārīla Bhāṭṭa - कुमारिल भट्ट,  - o qual é considerado o catedrático do Mimāṁsa, nasceu provavelmente na região conhecida como Prayāg, hoje Allahabad, no Uttar Pradeś, Índia. Um dos tratados mais notáveis do filósofo chama-se Mimāṁsaślokavārṭṭika (Versos explanatórios do Mimāṁsa). Bhāṭṭa foi um sólido defensor da validade e da supremacia dos Vedas, sendo um notável seguidor do Purva-Mimāṁsa, e um ritualista convicto (aspecto este criticado por Śaṅkarācārya). O Vārṭṭika contém um comentário da maioria dos sūtras de Jaimini Mimāṁsa Sūtras,[1] considerado o fundador do Mimāṁsa.

Posição filosófica
Há diferentes considerações com respeito à visão de um “deus pessoal” em Kumārīla Bhāṭṭa, conforme alguns estudiosos. Manikka Vachakar defende o fato de que Kumārīla promove um Deus individual – Parabrahman – o que, de algum modo, conflitaria com a escola Aparabrahman do Mimāṁsa.[2] Contudo, no Vārtṭika, ele faz todo o possível argüindo contra a teoria de um deus criador (a exemplo do deus sionista). Ele também coloca que alguns Mimāmsī consideram os Vedas como apauruśeya, ou como não-autorizados (conforme vêem os budistas). Mas o mais notável é sem dúvida a sua visão contrária a posição budista medieval sobre os ritos védicos. É dito que a sua forte oposição à visão anti-ritualística budista contribuiu para o declínio do budismo na Índia. Sem nenhuma dúvida, o Seu trabalho contribuiu de forma extraordinária na influência de outras escolas de filosofia indiana, especial e notavelmente no Advāita-vedānta, este tendo Śrī Ādi Śaṅkara como o principal defensor.
Filosofia da Linguagem
Kumārīla Bhāṭṭa, bem como Seus seguidores na tradição Mimāṁsa, todos conhecidos como Bhāṭṭas, possui argumentos fortes na visão da composição semântica, chamada de abhihitānvaya (preposição e conclusão do que foi dito). Conforme este visão, o significado de uma sentença é alcançado depois de o significado de cada palavra individualmente. Portanto, as palavras são independentes, objetos completos, o que, de certo modo, aproxima-se da idéia do matemático Géza Fodor.
A visão proposta por Kumārīla Bhāṭṭa foi debatida por cerca de oito séculos pelos seguidores da escola Prābhākara dentro do Mimāṁsa, uma vez que defendem que as palavras na designam algum significado direto; qualquer significado que surge está conectado com outras palavras: anvitābhidhāna – anvita= conectado; abhidhā= denotação. Esta visão foi influenciada pelos argumentos holísticos da teoria de Sphoṭa [3] de Bhartṛhari
A crítica dos Prabhākaras está no argumento de que os significados de uma sentença estão ligados diretamente, por um sinal perceptivo e contextual, pulando o estágio de captar significativamente o significado individual de uma palavra, ponto de vista muito semelhante a atual lingüística conhecida como “underspecification[4], a qual refere-se a aos giros dinâmicos na semântica, a qual se opõe de aproximações puramente composicionais para julgar ou pronunciar um significado.

Crítica ao Budismo
Notável entre as críticas de Kumārīla Bhāṭṭa encontramos nos argumentos contra a visão budista do séc. VII. Tendo em vista provar a superioridade das escrituras Védicas (que haviam sido descaracterizadas pelos budistas), Kumārīla Bhāṭṭa apresentou vários argumentos novos diante das acusações dos niilistas, vejamos alguns:
1.       As escrituras dos budistas e dos jainistas não podem estar corretas, porque contêm muitos lapsos gramaticais. Tomando especificamente o verso considerado budista: «ime samkhada dhamma sambhavanti sakarana akarana vinassanti», “estas efervescências surgem quando a causa esta presente e perecem quando a causa está presente”. Do seguinte modo ele apresenta o seguinte argumento: “As escrituras dos budistas e dos jainistas estão compostas numa linguagem preponderantemente incorreta – asadhu, com palavras das linguagem Magadha e Dakshinatya, ou mesmo nos seus dialetos tadopabhramsa. Portanto, são composições falsas – asannibhandhana; elas não podem possibilitar um verdadeiro conhecimento ou śāstra. Por contraste, a verdadeira forma em si mesma da bem-apresentada linguagem dos Vedas, provam Suas autoridades como sendo independentes e absolutas”.[5] Como se disse, os argumentos de Bhāṭṭa vale-se fortemente na sua idéia de que os significados de cada palavra individual devem ser completo pela sentença para ter um significado. Isso denota que o cânone Pali (os escritos budistas de então), foi intencionalmente gravado em dialetos locais, e não numa linguagem apropriada apenas para o culto.[6]
2.       Cada escola existente contém alguma escritura como sendo correta.[7] Tendo em vista mostrar que os Vedas eram corretos, ao contrário do que diziam os budistas e jainistas, Kumārīla diz que, “a ausência de um autor protege o Veda contra toda a censura” . Não há “... nenhuma forma de provar que o conteúdo das escrituras budistas estão diretamente erradas em espírito[8], a não ser que alguém desafie a legitimidade e a natureza eterna da escritura em si mesma. É bem conhecido que o cânone Pali foi escrito depois da morte de Buddha. Fora disso, mesmo que eles fiquem com as palavras de Buddha, elas não serão eternas e sem autor como os Vedas.[9]
3.       A escola Budista Sautrantika crê que o universo era momentâneo – kśanika. Kumārīla diz que isso é um absurdo, dado que o universo não desaparece em cada momento. Além disso, não importa o quão pequeno seja definida a duração de um momento, alguém poderá dividir o momento dento de infinitas outras partes.[10] Kumārīla argumenta: “... se o universo não existe entre momentos, então em qual destes momentos ele existe?” além disso, uma vez que um momento pode ser dividido em partes infinitesimalmente menores, isso significa dizer que essencialmente os budistas reivindicam que o universo não existe. Isso, num monte de meios em consonância com o Seu literal entendimento do Sânscrito da palavra Śunya (literalmente “zero”), é encontrado no cânone Pali, e sendo comentado por muitos budistas posteriormente. É digno de atenção aqui, que o cânone Pali diz que o Saṁsāra (roda de nascimentos e mortes), é caracterizado como “anicca” – impermanente, não momentâneo. Além disso, o entendimento do Mimāṁsa (bem como do Vedānta), Śunya é inconsistente com o significado descrito no cânone Pali.
4.       A determinação da percepção – pratyakśa pariccheda; esta possui muitas similaridades com a filosofia da “Crítica da Razão Pura” de Immanuel Kant, o filósofo iluminista do séc. XVII, ainda que o assunto em questão possa não ser o mesmo, dependendo do enfoque. Contudo, Kumārīla compreendia que a escola budista fora maior do que qualquer outra escola filosófica não-budista naquele tempo. Seu contemporâneo mais jovem Śrī Ādi Śaṅkarācārya, também não aceitou o budismo. O esforço para empreender o retorno da prática védica entre os indianos foi hercúleo.

Lendário de Sua vida
É dito que Kumārīla Bhāṭṭa fora estudar o budismo em Nalānda, uma das maiores universidades do mundo na ocasião, fundada no séc. IV, tendo em vista refutar a doutrina budista a favor do ritualismo da religião védica. Ele fora expulso da universidade quando protestou contra seu professor, conhecido como Dharmakirti, o qual estava ridicularizando os rituais védicos. Dizem que mesmo tendo sido jogado pela janela da torre da universidade, ele sobreviveu sem qualquer ferimento. Os entusiastas da filosofia Mimāṁsa dizem que isso aconteceu devido ao fato de Kumārīla ter imposta a condição de infalibilidade dos Vedas.
Deixando Nalānda, Kumārīla Bhāṭṭa e fixou-se em Prayag, hoje Allahabad. Dois anos depois, ele enfrentou seu professor num debate sobre gramática e lógica. A vida estava em jogo neste debate; o perdedor sofreria uma morte lenta pela auto-imolação. É dito que pelo fato de ter causado a perda do seu professor, ele também decidiu cometer o suicídio da mesma maneira.
Um trabalho do medievo de Śrī Śaṅkata, considerado preciso, diz que Śaṅkara desafiou Bhāṭṭa pra um debate no seu leito de morte. Nesta ocasião, o Bhāṭṭa encaminhou Śaṅkara para um discípulo conhecido como Viṣvarūpa ou Maṇḍana Miśra. Este debate ficou muito famoso, estando em jogo a saṁnyāsa de Śankara e o gṛhāsta de Maṇḍana. Uma vez que Śaṅkara vencera o seguidor de Kumārīla e ainda a sua esposa Bhāratī (considerada uma encarnação de Saraswatī), eles seguiram o Ācārya e ficaram responsáveis por Maths ou centros Śaṅkarites do Advāita-vedānta. O trabalho, no entanto, não especifica claramente se o leito de morte era uma pira de fogo lento ou outra coisa.
Também é dito que Śaṅkara implorou para que Bhāṭṭa não cometesse suicídio. Há autores que dizem que Bhāṭṭa não cometera suicídio, mas que continuou a viver com duas esposas e muitos estudantes, um dos quais fora Prabhakāra. De acordo com esta visão, Kumārīla Bhāṭṭa morreu em Varanāsi com 80 anos de idade.

Conclusão
O reafirmar-se do Sanātana-dharma na Índia, a partir do séc. VII, e d’Ela  para o mundo, deveu-se principalmente ao enfrentamento intelectual, com o uso e recurso de argumentos lógicos e consistentes ao restabelecimento da Filosofia praticados por grandes filósofos do passado. De modo peculiar, vemos que tão logo a visão niilista budista foi enfraquecendo na Índia, devido a natural sucumbência de qualquer ideologia e falta de conhecimento diante de uma filosofia consistente, a prática ritual védica foi se reafirmando. Isso não seria possível, no entanto, sem a presença intelectual de filósofos como Śrī Kumārīla Bhāṭṭa e Śrī Ādi Śaṅkarācārya. O budismo, sem dúvida, montou muitos monastérios e pretendia instalar uma espécie de monarquia monástica, e de fato logrou êxito no Tibete e em outros locais sem grande significado. Mas o número deles não provou a potência. Apesar de ter ficado oculto, e vilipendiado por mais de um milênio, a Filosofia do Sanātana-dharma se reergueu no pensamento prático de Śaṅkara e outros filósofos, recuperando a Sua originalidade, e livrando-se das miśras ou misturas peculiares na ausência de uma clara visão e percepção da Filosofia. Pouco a pouco, pela valentia intelectual dos sábios filósofos, reergueu-se a filosofia védica, mostrando que o Ser ou Ātma é a realidade inequívoca da Ontologia védica. É agora provável que os filósofos e estudiosos dos dias atuais, possam ingressar no campo filosófico védico de forma não sectária ou religiosa, e compreender que verdadeira Filosofia é atemporal, bem como não possui propriedade de pátria, raça ou divisões políticas.

Hari Hara oṁ tat sat







[1] Śrī Jaimini é conhecido pelo tratado Purva Mimāṁsa Sūtras, ou Karma-mimāṁsa – Estudo da Ação Ritual – um sistema que investiga as injunções védicas. É dito que Jaimini foi discípulo de Veda Vyāsa (o compilador dos Vedas), legando a tradição por Paraṁpāra ou sucessão discipular, que chegou até Śrī Ādi Śaṅkarācārya.
[2] Há duas formas conhecidas de ver a questão de Brahman, o Absoluto: Saguṇa, com qualidades; portanto, manifesto ou Vyakta, e Nirguṇa, sem qualidades, por isso, Avyakta ou imanifesto. Ver o cap. XII do Bhagavad-gītā.
[3]Sphoṭa” diz-se “is_pôṭ”, trata-se de um conceito na tradição gramatical indiana, relacionado ao problema da produção da fala; como a mente faz a ordenação da unidade lingüística, dentro de um coerente discurso e o seu significado. Esta teoria está associada ao filósofo e gramático indiano do séc. VII, Bhartṛhari
[4] A teoria lingüística “underspecification” defende um fenômeno (lingüístico, evidentemente) onde certos traços são omitidos em representações sublinhadas.
[5] Na medida em que palavras são colocadas para explicar um argumento, e estas têm distintos significados de acordo com quem as apresenta, não se pode ter certeza do que realmente se está querendo dizer.
[6] Os budistas justificavam que os textos deveriam ser escritos na linguagem do povo, porém as interpretações se mostraram variáveis conforme a vontade de quem os lia; uma espécie de “nivelamento por baixo”.
[7] Os budistas e jainistas argumentam que não há nada definitivo e que nenhuma escritura é correta devido a isso. Como descaracterizaram os Vedas, aqui é colocado que não tem como fundamentar uma escola que seja sem uma escritura que seja.
[8] Aqui “espírito” tem o sentido de “sentido; significado”; uma vez que não há como comprovar a legitimidade de um texto, e não há como contra-argumentar, então é um pressuposto de verdade sem apauruśeya.
[9] Porque estarão presas a um tempo, lugar e circunstâncias da visão de uma pessoa.
[10] É o que defende a escola atomista Vaiśeśika.

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