quarta-feira, 25 de maio de 2011

Samsara - o sal da terra

Samsara

“O sal da terra”



Swami Krsnapriyananda Saraswati



Direitos autorais reservados na forma da lei

SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA DO BRASIL

SMARTA SAMPRADAYA

GITA ASRAMA

2009-2011


Kali Ma, reciclando a vida
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Sri Sankaracaya Guru Astakam


çsäréram surüpam thadha va kalatram,
yasacaru cithram dhänaà meru thulyaà,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim
. 1

Mesmo que você possua uma bela aparência, uma linda esposa,
Grande fama e uma montanha de dinheiro,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 1

kalathram dhanam puthrapothradhi sarvam,
gruham bandhavam sarvamethadhi jatham,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 2


Mesmo que você possua uma esposa, riqueza, filhos,
Casa, parentes, e tenha nascido numa grande família,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 2


çadangadhi vedo Mukhe sasra vidhya ,
kavithwadhi gadhyam supadhyam karothi,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 3


Mesmo que você seja um especialista nos seis angas e nos quatro Vedas,
E um especialista em escrever bons poemas e prosas,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 3

videseçu manya swadeseçu danya,
sadächara vrutheçu matho na ca anya,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 4


Mesmo que você seja considerado um notável estrangeiro,
Rico em seu próprio país,
E muito respeitado nas virtudes da vida,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 4

kñmä maëòale bhüpa bhüpala vrundai,
sadä sevitham yasya padaravindam,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 5

Mesmo que você seja o rei da Terra,
E seja servido pelos reis e grandes monarcas,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 5



yaso me gatham bikçu dana prathapa,
jagadwathu sarvam kare yah prasdath,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 6


Mesmo que a sua fama tenha se espalhado por tudo,
E o mundo todo esteja com você, devido a sua caridade e fama,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 6

na bhoge na yoge na vä vajirajou,
na kaìtha sukhe naiva vitheçu cittam,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 7


Mesmo que você não concentre sua mente
Nos prazeres, no Yoga, no fogo de sacrifício,
Ou no prazer da esposa, ou nos assuntos da riqueza,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 7

aranye na vä swasya gehe na karye,
na dehe mano varthathemath vanarghye,
manasceëa lagnam gurorangri padme,
tathä kim tathä kim tathä kim tathä kim. 8


Mesmo que sua mente esteja fora na floresta,
Ou na casa, na obrigação ou em grandes pensamentos,
Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento? 8

Phalaçruthi:
guror açtakam ya padeth punya dehi,
yathir bhüpathir brahmacharé ca gehi,
labeth vanchithartham padam brahma samgnam,
guruor uktha vakye mano yasya lagnam


Fruto dos Sastras (em resumo):
Este guru Astaka abençoa aquele quem lê seus oito versos,
Seja um santo, um rei, um brahmacarya, um grihasta (chefe de família),
Se suas mentes obtiverem aderência às palavras do Mestre Espiritual,
Terão conseguido a grande dádiva de alcançar o Brahman. |

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Jay gurudeva!


Adi Sankara Acharya
O Sri Guru Astakam, de Sri Adi Sankaracarya, os oito versos sobre o Mestre Espiritual ou Guru, contém em Si o néctar da sabedoria védica. A razão de louvor e respeito ao Guru não é uma coisa material ou de ilustração do ego. O contrário disso, ou seja, reverência ao guru trata-se de uma posição de humildade para alcançar a realização do conhecimento ou a realização do Brahman Supremo. Sri Adi Sankara foi fiel ao Seu mestre espiritual, Sri Gouvinda Acharya, tanto no Seu comportamento como na tradição de levar o conhecimento das Escrituras adiante, por intermédio do Guru Parampara (sucessão discipular). Todos os Ashramas ou posições na vida espiritual são beneficiados pelo respeito e amor ao Guru. De nada adianta acumular riquezas, fama, prestígio e poder, porque o final da vida material sempre será a morte inevitável. Feliz é quem pode abrir a sua mente para o Mestre Espiritual e assim alcançar o alívio das angústias do mundo material. Feliz é quem se libera da condenação da objetividade, alcançando a liberação da subjetividade ou do Sujeito – puro Atma. Feliz é quem possui o Ananda da liberação do Samsara.

O mundo fenomênico é o mundo do Samsara
A expressão “Samsara” tem origem no Sânscrito (escrita sagrada)[1]: “sans= terra; sara= sal; ‘sal da terra’”. Há muitos outros significados adjacentes ao termo “samsara”, como por ex.: nascimento e morte; “reencarnação” (talvez este seja o sentido mais pobre deles); retorno voluntário, ir ou vaguear através de; o mundo em si, etc. O mundo material é o mundo fenomênico; objetivo. Está sujeito aos três modos da Natureza Material, a saber: Rajas, Sattva e Tamas; ação, equilíbrio e inação, respectivamente. A característica fundamental da Natureza Material é a temporariedade, transitoriedade, impermanência, etc. A entidade viva está completamente atada ao Samsara (ciclo material). O Mestre Espiritual é quem nos ensina sobre a liberação do Samsara, falando-nos sobre o mundo subjetivo ou da consciência pura, também chamado de Atma. Este é o “mundo” do SER, o que é real, eterno, imortal, e repleto de bem-aventurança. Quem alcança a liberação do Samsara é chamado de Jivanmukta ou “liberado”.


A roda do Samsara
O mundo material é o mundo da externalidade, da efemeridade, da transitoriedade. Ele é fenomênico. O Ahamkara ou falsa noção de “eu é o responsável pelo condicionamento material objetivo. Na imediatidade (portanto, sem meios) do mundo, tudo está “fora do individuo”. É por isso que a grande maioria das formas externas que encontramos no mundo, de reverenciar o Supremo, são também construídas por sobre a seguinte maneira de pensar o mundo: “Vós sois o corpo e suas relações; há Deus, mas está fora do sujeito (noção dualista); bem como a morte, e até mesmo a felicidade estão fora dele (do sujeito). Deus está no “templo”; a morte no “cemitério”, e a felicidade nas “coisas externas” . Contudo, contrário a isso, a consciência subjetiva ou numênica[2], conforme a filosofia do Advaita Vedanta (Vedanta não-dualista) nos ensina, Deus está dentro de nós; a morte é uma “companheira” permanente no mundo material, bem como a felicidade está na realização do Ser, que está dentro de todos, e que está além do nascimento e além da morte, porque nunca nasce e nunca morre. O enfoque objetivo da consciência apregoa a felicidade material na imediatidade do mundo; o enfoque subjetivo nos ensina que a felicidade ou bem-aventurança está na mediatidade (por meios; no caso, pelo conhecimento ou Jñana do Atma), apontado pelo Guru ou mestre espiritual, o qual nos indica o caminho da subjetividade ou do Ser, chamado Atma ou Brahman, devendo ser exercitado pelo Viveka, ou “discernimento” superior.



Varna e Asrama
Os quatro Ashramas e os quatro Varnas (Varnasrama) nos indicam que não importa qual seja o meio que alguém mantém sua vida, desde que seja honesto e não cause sofrimentos a outrem (conforme o Dharma), ou faça no mínimo possível, tanto para consigo mesmo como para com os outros. O Karma (ação; trabalho; atividade) sempre será temporário, passageiro, impermanente. Mas se a ação – karma - é feita tendo em vista alcançar o Supremo, tendo sempre o Mestre Espiritual como base e referência reverente, isso irá iluminar o discípulo com Sua misericórdia desmotivada, não causando reação ou seja, o serviço desmotivado egoisticamente não irá ter reações.


Brahmacaris estudam com o Guru
O mundo material nos dias de hoje está tão diversificado que é possível viver-se de forma muito simples e mesmo assim não faltar o essencial (comida, roupa e moradia). Aqui não se discute méritos. Não importa qual seja o Ashrama ou posição em que se viva. As facilidades e dificuldades serão mais ou menos as mesmas em qualquer situação. São belos tempos; dir-se-ia que “primaveris”, neste intervalo entre glaciações. Um pequeno oásis nesta era de Kali-yuga![3] Dizem os cientistas que estamos numa primavera de 10 ou 12 mil anos, e ainda estamos recém na sua metade. Mas o “mundo” irá mudar, assim como já mudou tantas vezes, e não seremos os únicos culpados por isso, porque o mundo é algo vivo e individual, portanto, tem seus ciclos e vontades, e tal qual toda a entidade viva, é controlado pelo Supremo Absoluto. As mesmas leis e regras da Natureza Material se aplicam a tudo e a todos no mundo material.

Sofrimento inevitável
Uma constatação objetiva é de que: “viver é um sofrimento inevitável”, porque estará sempre ligado ao ciclo material: nascer, crescer, envelhecer, e morrer. Há três contingências das quais nenhuma entidade viva pode se livrar totalmente: do sofrimento ocasionado pelo próprio corpo (transitório, temporário, passageiro); do sofrimento ocasionado por outras criaturas (e outras pessoas também); e do sofrimento ocasionado pelas forças da natureza. Por melhor que seja a vida de alguém, terá que passar pela dor do nascimento, e por sua finalidade: a morte. Por mais que alguém diga: “eu sou o dono de mim e faço o que quero”, estará condenado à doença, velhice e morte, independente de sua vontade e do quanto faça para evitar doença, velhice e morte. Que coisa interessante essa condenação à morte, tão logo tenhamos “nascimento” num corpo material!? ou será condenação à vida? 

Chamundeswari por sobre um lótus de crânios
Perceber que o destino deste corpo é o seu fim não é uma coisa muito agradável. Se o Ser é para a finalidade, ou seja, se o Ser é para a morte, então qual é o porquê da vida? Por que do sofrimento: trabalhar, estudar, manter o corpo? Materialmente, ficamos praticamente o dia todo em função do corpo, mesmo sabendo que ele é temporário, passageiro, transitório, impermanente, corruptível. Um terço (1/3) da vida a levamos dormindo (em 30 anos dormimos 10), quem viver 90 terá dormido 30! E ainda nos dizem que “somos livres”. Portanto, de que vale a vida sem uma consciência superior? Sem a consciência do nosso verdadeiro motivo de viver? Será que somos tão somente para comer, dormir, acasalar, nos proteger, e por fim morrer? Somos, então, condenados em nossa liberdade? Assim, as reflexões sobre a vida, seu destino, bem como do corpo e de suas relações serão sempre interessantes, principalmente se medidas em sua objetividade finalística. O que aconteceu conosco num investimento qualquer, que pretendíamos ter um bom resultado? Que coisa! É como alguém investir em algo tendo em vista um bom resultado e depois perceber que não valeu à pena. Alguém disse que “não se pode contar com o ovo antes de ele sair da galinha”, na verdade usam uma expressão chula, todos a conhecem, mas a vida é sempre isso: “contar com o ovo” antes de ele vir a ser. Porque não sabemos o que nos espera ali na frente. Quem sabe? Pode ser que não tenhamos a sorte de mantermos nossa “condenação” à vida material, mantendo-a por mais um tempo vivos. Por mais que alguém seja previdente, cauteloso, bondoso para com tudo e todos, estará inevitavelmente preso à roda do Samsara, e assim condenado ao destino do sofrimento.


Maha tattva – o sal da terra

Grandes filósofos do passado (pensamos que no presente estejam ocultos pela falta de interesse das pessoas, devido ao natural avanço da Kali-yuga - era de trevas), já mencionavam o fato de estarmos no mundo atuando como marionetes. Sri Krsna também diz isso no Bhagavad-gita 18.61: “Isvara, o Controlador Supremo de todas as criaturas, reside no coração de todos, ó Arjuna! Que perambulam como que sentados por sobre uma roda, sendo controlados por Minha energia material”. Somos levados pela Natureza Material (prakriti), e agimos pensando que somos nós os causadores de os seus resultados, mas é a natureza quem nos leva e trás. E de algum modo, o provérbio realiza-se dizendo que, “O que se leva da vida é a vida que se leva!” Karma, se realiza aqui no Samsara. Recordamos do Novo Testamento, escritura dos cristãos: “vós sois o sal da Terra”! Sim, somos “samsara”! Então, somos o tempero daquilo que achamos explorar, dele desfrutando. Interessante isso!? Tudo retiramos da terra, para podermos viver por sobre Ela! Depois Ela, a natureza, finalmente se “tempera” conosco. Este ciclo chama-se Samsara: “salgar a terra”.

Kalidevi Ma
Uma representação muito transcendental do Samsara aparece na terrificante representação de Kali Devi, onde Ela segura um tridente (figura que ilustra o frontispício deste texto), vestindo uma guirlanda de crânios humanos no seu pescoço, e tendo uma cabeça recém-cortada, segurada em Suas mãos, ainda pingando sangue numa tigela. Ela tem a língua vermelha, para fora da boca. Os apressados ocidentais costumam chamá-lA de “representação demoníaca”, mas porque não vêem o ciclo de mortes ou samsara em si mesmos; possuem uma rarefeita consciência objetiva. Mas a morte está bem aqui conosco, neste corpo transitório, passageiro e temporário que muitos se confundem consigo mesmos. A morte não está fora de nós! O tridente nas mãos de Kali Devi representa as três qualidades materiais ou Gunas da Prakriti. Cada um delas tem seus Rasas ou comportamentos distintos e complementares: Rajas, paixão e movimento; Tamas, ignorância e inação, e Sattva, bondade e equilíbrio. A natureza tríplice, das qualidades materiais combinadas, nos fornece os cinco sentidos. A língua de Devi desfruta do “sal da terra”; naquele sangue – nosso mesmo - que nos amedronta; é o samsara, o sal da terra na forma de Apas – paladar - ou humor da água que predomina. Se olharmos atrás de nós (e de Devi na gravura), veremos uma infinidade de corpos ligados às cabeças que tocam Devi (Vayu é o ar, o tato).  Mais claro ainda, numa forma de Devi, conhecida como Chamundeswari, que repousa sobre um lótus com cinco crânios (cinco sentidos), um fogo abrasador que a tudo devora, é Tejas ou Agni, a visão. Somos resultados da “vagina de fogo”; vítimas inevitáveis do fogo serpentino. O sangue coletado numa tigela logo vira terra, Prithivi, donde vem o olfato ou aroma. Por fim, a audição, o som está no espaço, entre os elementos, é o Akasha percebido das evocações dos mantras cantados pelos devotos: “rogai por nós, agora e na hora de nossa morte!”. Devi coloca seu pé direito na região do coração, por sobre o peito de Siva que está deitado, numa clara demonstração de que é Ela quem o faz bater, bem como Pará-lo. Siva é o Senhor dos Sentidos, Maha Keshava; a Sua posição de submissão à Mãe Divina (Mãe Natureza na forma de Kali Devi), mostra que em vão agimos pensando sermos causadores, porque Ela é a Senhora da finitude; a desfrutadora final de todas nossas ações. Devi amamenta Siva e O suga no final. Devi é um “moinho de carne” que a todos devora e transforma em sal. Salgamos a terra, somos samsara; sal da terra.


Afinal, a finalidade

Cremando o corpo
Há os que não creem em reencarnação, mas não poderão descrer de seus antepassados, dos quais, evidentemente, descendem e os têm impregnados em seus genes. Contabilizando por cima, desde o ano zero, até hoje, pouco mais de dois mil anos, considerando casais normais para gerar um filho, nós já tivemos em média, sendo generosos, 230 gerações, o que dá um resultado em torno de 1 bilhão e 70 milhões de pessoas até chegar a nós. Melhor falando, para que nosso corpo esteja aqui hoje foram necessários 1/3 da humanidade. Cada um de nós possui uma imensidão de antepassados materiais. Onde estão eles – antepassados - agora? Quem foram? Com certeza, eles foram importantes para nós, porque sem eles não estaríamos aqui hoje. Mas é certo que todos salgaram a terra! Mas a ilusão objetiva e o apego ao corpo material, e às suas relações vela, obstrui, removem a visão da realidade Suprema. A vida material nos devora como faz o fogo com a floresta. É por isso que Devi é representada com uma guirlanda de cabeças; Ela é a mãe que tudo dá, mas também que tudo tira. Quantas voltas dá a roda do Samsara? Pouco importa, no final, sempre salgamos a terra!
O conhecimento da Verdade Suprema, aquilo que está além do samsara, é-nos dado pela graça e misericórdia do Guru. O Guru não é uma pessoa, mas uma forma transcendental de bênção do Supremo, encarnada no corpo de um representante. Assim como alguém logo vê que outro sofre com um argueiro no olho, removendo-o e dissipando a dor e a escuridão, o guru é tal qual colírio. Mas o conhecimento da Verdade Suprema não é apenas saber décor as Escrituras, ou os rituais n’Elas contidos, mas realizar o bem Supremo ou a bem-aventurança Suprema, chamada Ananda.
O mundo material é composto das três qualidades, sendo que elas se aplicam tão somente a sua objetividade fenomênica. As coisas se confundem quando alguém tem consciência objetiva parcial, ou seja, crê ser o corpo e suas relações. Ainda que não devamos ser negligentes com as necessidades e obrigações materiais elas são maya, aparentes e não reais no sentido subjetivo ou do Atma (realidade suprema).
A rendição ao guru é um pacto de amizade no conhecimento transcendental. Há algo do guru em cada discípulo, bem como o guru carrega algo muito íntimo do discípulo. O discípulo deve abrir a sua mente e coração para o guru, para então poder contar com Sua inestimável ajuda. Do mesmo modo como não será possível colocar chá uma xícara cheia, assim, também, o discípulo orgulhoso do acúmulo do conhecimento não poderá beneficiar-se com a graça do Guru. Tyaga ou renúncia é o primeiro passo. Renunciar as ideias de “eu”, “meu”, propriedade, identidade material, bem como aos frutos das ações é algo que traz em si uma inefável experiência libertadora. O devoto já não mais diz “minha religião”, “meu país”, “meus pais”, “meu isso”, “meu aquilo”, porque compreende que todos estes “meus” e “eus” dizem respeito tão somente ao objetivo e material, que como sabemos é transitório, temporário, passageiro, efêmero e impermanente.


 A inversão epistêmica
Kalidevi e Seu filho Siva
Quase sempre ouvimos alguém dizer: “eu e a minha alma”; e a grande maioria das religiões apontarem: “salve a sua alma!”. Esta é a visão objetiva ou fenomênica da existência: “temos uma alma”. Mas o correto é: SOMOS ALMAS e não um corpo. Porque de fato SOMOS alma ou espírito, tendo experiências num corpo material. De acordo com as Escrituras, a Natureza Material nos oportuniza cerca de 8 milhões e 400 mil espécies de corpos materiais. Mas este número poderá aumentar mais ainda, devido a infinidade de combinações genéticas, e mutações possíveis, e assim por diante. É também possível dizermos que a entidade viva poderá desfrutar de infindáveis línguas e genitais enquanto quiser e assim o desejar. Samsara é devido à própria vontade do indivíduo. A liberdade de escolher enredar-se no ciclo de nascimentos e mortes, tanto faz no corpo que queira, faz do Samsara um ciclo eterno. Isso somente mudará tão logo surja a vontade de liberação; tão logo não mais a entidade viva deseje “salgar a terra”.

O Ser é para Ananda, bem-aventurança eterna; bem longe do ciclo de nascimentos e mortes. O Atma que somos é eterno e sempre sendo na Sua eternidade. O condicionamento material faz com que haja identificação com a objetividade dos fenômenos e com suas relações, como se isso fosse real e permanente. O que é permanente no mundo material é sua impermanência! Que interessante!

Nossa mente é a senhora do nosso Samsara. O processo de educar a mente é chamado Sadhana (diz-se sá-dha-na). Entre tantos sentidos que possui, sadhana significa: “controle de si”; e este “si” é o processo educativo da mente. Veja-se que Sri Adi Sankara, nos oito versos de enaltecimento ao Guru ou Mestre Espiritual encerra cada verso dizendo:

“Se a sua mente não se curva aos pés do Mestre Espiritual,
Que utilidade tem? Qual é o uso? E qual é o aproveitamento?”

Hari Hara om tat Sat


[1] A palavra “samskrit” origina-se da combinação de “sams= sagrado; skrit= escrita, “escrita sagrada”; não se trata de uma “língua”, propriamente dita, mas de um acordo ortográfico e gramatical secular, para preservar-se os ensinamentos das Sagradas Escrituras, especialmente os Vedas e Upanisads.
[2] O nûmeno é às vezes chamado de “a coisa-em-si”.
[3] A kali-yuga é também chamada de “era de ferro”, sendo a 4ª era, ou a era final do ciclo de Yugas ou eras védicas que se repetem de forma cíclica. Apesar da palavra “kali” referir-se, também, a Kali-Devi, no caso de yuga não tem nada a ver em comum. “kali” significa “escuro”, e escuridão é também uma forma de referir-se à ignorância ou ausência de conhecimento.

Bibliografia básica
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ELIADE, Mircea & COULIANO, Ioan P. Dicionário das Religiões. São Paulo, Martins Fontes, 2003.

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___.. História, Literatura, Filosofia e Prática. A Tradição do Yoga São Paulo, Pensamento, 2001.

LEMAITRE, Solange. Hinduísmo ou Sanātana Dharma. São Paulo, Flamboyant, 1958.

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sexta-feira, 6 de maio de 2011

Por que não somos budistas I

Por que não somos budistas
Por
Swami Kṛṣṇapriyananda
SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA DO BRASIL
SANATANA DHARMA
GITA ASHRAMA
2009



“O budismo é uma filosofia agnóstica e ateia, 
que usurpa as funções sociais e rituais duma religião”.


Jacques Maritain

ATENÇÃO
Este texto é de discussão filosófica, os aspectos religiosos pertencente as seitas dos 'budismos' estão fora do escopo do mesmo.



yata mata tata patha!
Iremos iniciar este tema sob o “budismo” (no seu sentido amplo e geral, porque podem existir tantos ‘budismos’ quantos seguidores seus...), com a definição dada por um filósofo cristão, Jacques Maritain. Antes, porém, é importante salientarmos a diferença entre um discurso calcado na fé cega e outro embasado na Filosofia. Ao contrário do que todos pensam, "Filosofia é uma ciência da razão", e não um palco de especulações e de “achismos” do tipo “eu acho então”. O Sanātana Dharma é essencialmente filosófico, e o estudo e conhecimento da Filosofia Védica tão somente é possível a partir do preparo, do estudo, bem como da compreensão e do entendimento da linguagem filosófica e da Filosofia. Afirma a tradição que sem a rendição ao Guru ou Mestre Espiritual, portanto, sem a Sua graça, não nos é facultado à realização do Conhecimento Supremo, ainda que Este seja alcançado através de nosso próprio esforço. O guru é quem nos dá os passos e a correta indicação do sentido e significado, tanto dos termos como das sentenças das Escrituras. E muito ao contrário do que a visão ordinária e comum diz, "Filosofia é um ato concreto da razão e do correto pensamento", não se tratando de ‘alucinações’, ‘devaneios’, ‘irracionalismos’, ‘sectarismos’ ou ‘insanidades mal denominadas de [filosofia]’. Aqueles falsos argumentos, protagonizados por fanáticos, nascem da doxata[1] (ver as notas no final do texto) ou da simples opinião sem reflexão ou raciocínio; são passionais, idiossincráticos, “ideológicos” e solipsistas. Não possuem qualquer validade epistêmica enquanto Filosofia; são imediatos no egocentrismo irreflexivo do manifestante. Por outro lado, o pensamento filosófico do Sanātana Dharma é calcado o que os gregos chamavam de “episteme”, ou seja, na investigação da razão, no “sapere aude[2], sem deixar de ser puro e notável enquanto investigação abstrativa, nem tampouco sendo egoísta e solipsista (conforme Immanuel Kant incentivou). 

Jackes Maritain
Vejamos, então, o que diz o pensador anteriormente citado sobre o “budismo” (repetimos, que podem ser muitos nos dias de hoje), e de que forma esta “religião” se indispõe frontalmente contrária ao Sanātana Dharma: diz o referido autor: “O budismo, doutrina essencialmente negativa e dissolvente, orientada, aliás, mais para a prática do que para a metafísica e a especulação, pode ser considerado a corrupção e a delinquência da filosofia Brahmânica”.[3] Além de ser esta “corrupção”, ou mesmo afrontamento contra o pensamento dos Vedas (Brahmānico vem do Smṛti ou Vedas), os budistas declaram que, “... a existência de Deus, como a de um eu substancial ou de uma alma imortal, é incognoscível (agnosticismo), e sua verdadeira tendência é negar a existência de Deus (ateísmo) e substituir toda a substância por uma corrente ou fluxo – concebido, aliás, como real em si mesmo – de formações ou fenômenos (fenomenismo: tudo é vazio; tudo é insubstancial, etc.). assim a metempsicose pare eles consiste na continuidade de uma cadeia de pensamentos e sentimentos (‘corrente de consciência’, como hoje se diria), que passa de um a outro modo de existência em virtude duma espécie de élan, para a vida devido ao desejo de ser; pois o desejo é a causa da existência, e ‘nós somos aquilo que antes tínhamos pensado’”.[4]

Jacques Maritain
Em termos de Filosofia, devida e propriamente dita, a proposta do budismo é de “substituição argumentativa” (o que não deixa de ser algum tipo de “transferência”).[5] No mais, percebemos nos argumentos budistas: “Substituindo ‘o que é’ ‘pelo que passa’; abstendo-se de dizer se uma coisa é ou não é; procurando conhecer somente uma sucessão de formações instáveis sem nenhum fundamento fixo e nenhum princípio absoluto. Em outras palavras, colocando antes do ser o que se chama vir-a-ser...”.[6]
Reforça-se que o Sanātana Dharma é exatamente o contrário do que apregoa o budismo; ou seja, defende o oposto do que afirmam e tratam, aquilo que é considerado como extremamente relevante pelo Sanātana Dharma. Mas, caso o leitor prefira, podemos então mostrar os antônimos dos termos:, neste presente texto pretendemos dizer que, agnosticimo gnose ou conhecimento; ateísmoteísmo ou crença num Criador; fenomenismosubjetivismo, neste, o sujeito é tal qual o Ātma ou “alma”, e não um corpo material. Para o Sanātana Dharma, o mundo é realidade temporária, diferente de “ilusória”. Pelo ponto de vista budista, o mundo é o que acreditamos que seja. Pelo ponto de vista filosófico, o mundo é o que é independente de crermos no que seja. Nosso conhecimento dele (do mundo) é limitado por nossa ignorância.

É possível uma “religião” que misture budismo e hinduísmo?
Budista e Sadhu Hindu
Seguindo um princípio lógico racional, como são formas antagônicas de ver o Ātma ou o Ser, não é possível tal “mistura” entre “budismo e hinduísmo”, ou se existir apenas será uma mistura sem “solução”, ou então será mais uma entre tantas invenções da mente fértil Ocidental (principalmente depois de terem assistido alguma novela[7], nascida da pura ficção imaginativa de alguma pessoa desinformada sobre o que é o Sanātana Dharma). Sabemos que é possível a convivência entre “ateus” e “não-ateus”, contudo, juntá-los numa nova religião é incoerente, apressado, e insano. Perguntem a um ateu que ele lhes responderá bem objetivamente sobre isso. Mas em todos os casos, caso resulte algo assim como uma “quimera religiosa” esta sempre será uma Miśra (misturança); algo sem fundamento em nenhuma Sampradaya (tradição filosófica) legitimada pelos Vedas e Escrituras a ela ligadas. A mentalidade fértil, bem como especulativa dos Ocidentais, os quais claramente não são filósofos, pensa ser senhora da Verdade, enquanto faz colocações insustentáveis pela luz da razão. Assim como um cristão não pode ser ateu, do mesmo modo, um “hindu” não pode ser budista. Quando alguém diz que segue uma “mistura de hinduísmo com budismo”, certamente, estamos diante de um embusteiro, especulador, sem conhecimento de filosofia, e completamente fanático. Ou será budista e não será hindu, ou será hindu e não será budista. Não tem como conciliar água e óleo; ainda que estejam num “mesmo copo” não irão solubilizar. É uma “mistura”, não uma solução! Sadhu, Guru e Sastra, constituem o tripé do Sanātana Dharma.[8] Pode ser que algum budista siga as instruções de um mestre, que seja reverente a ele e que tenha escrito alguma coisa. Mas será algo iniciado na sua visão pessoal, não irá respeitar os Vedas. No Sanātana-dharma, a liberdade de pensar não abre mãos do ensinamento do Mestre Espiritual, e o mundo não se resume na sua objetividade fenomênica. Portanto, não há como manter uma Miśra destas.

Conclusivo: ateu é ateu, teísta é teísta. Budismo é ateísmo; “Hinduísmo” é teísmo (crença num ser superior, onisciente, onipresente, tanto imanente como transcendente), pouco aqui importando se é personalista, impersonalista ou nenhum dos dois. Logo, “budismo” e “hinduísmo” sãos dois aspectos inconciliáveis filosoficamente, sequer deveriam estar colocados juntos numa discussão destas.

Como Caitanya contrapôs os budistas
Budistas tentam envenenar Caitanya
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É dito que certa feita um grupo de budistas de Orissa tentou envenenar Sri Caitanya, oferecendo a Ele comida contaminada. Um fenomenal pássaro apareceu e derrubou a bandeja contendo os tais "alimentos". Também é dito que este incidente promoveu a conversão de vários budistas na ocasião. Mas, mais do que um simples místico, Mahaprabhu foi um grande filósofo. Tendo um conhecimento profundo de Lógica, graças ao incentivo da Smarta Sampradaya (Sampradaya fundada por Śrī Ādi Saṅkarācārya, na qual iniciou-Se), Śrī  Kṛṣṇa Caintaya Bhārati[9], (Bengali তন্য মহাপ্রভূ - 1486 - 1534), conhecido como Mahaprabhu, desmembrou cada uma das “teses ilógicas” e niilistas dos budistas naquela época (um dos poucos remanescentes de então, que foram embora tão logo o governo dos muçulmanos também se foi). Ainda que tenham tentado envenená-lo com comida contaminada, Sua posição transcendental O salvou. Por outro lado, é salientado que, para evitar ser enganado por falsos filósofos, o devoto ou pretendente a devoto deverá seguir os passos dos ācaryas anteriores; a dikśa ou rendição ao guru está no fato de cumprir os votos preliminares e seguir o Sādhana que o guru lhe indicou. A presença física, ou a formalidade de namakara é um “acidente” no caminho do devoto, não é a substância. Contudo, há algo que deve ser feito tendo em vista evitar a miśra ou misturas de coisas.

O pensamento budista, por exemplo, é essencialmente falho em lógica em nove quesitos: 

1. A criação é eterna; logo, não é necessário aceitar um criador;
2. Esta manifestação cósmica é falsa;
3. ‘Eu sou’ é a verdade;
4. Nascimento e morte se repetem;
5. O Senhor Buddha é a única fonte para se compreender a verdade;
6. O princípio do nirvana, ou aniquilação, é a meta última;
7. A filosofia de Buddha é o único caminho filosófico;
8. Os Vedas foram escritos por seres humanos;
9. Todos são aconselhados a praticar atividades piedosas, mostrarem-se misericordiosos com os outros, e assim por diante.

Śrī Caitanya contra-argumentou cada uma destas afirmações utilizando-sE de Nyaya,[10] ciência na qual era sábio. Vejamos isso: 

1) se a criação é sempre-existente, não podemos ter, então, a teoria da aniquilação. Se aniquilação ou dissolução é a verdade máxima, conforme os budistas, então a criação não pode ser “sempre existente”;
2) igualmente “essa manifestação cósmica é falsa”, não se mantém pela teoria da aniquilação, porque a “tentativa de aniquilar tudo a fim de atingir o nada é absurda”, se é falsa, não tem como aniquilar. O mundo não é “falso”, mas temporário. O que sentimos como prazer e dor são reais, não são falsos, ainda que sejamos almas espirituais não podemos negar o corpo e suas contingencias.
3) se “eu sou” é a verdade, então não temos possibilidades de argumentação. A individualidade “eu” e “você” possibilita a argumentação. Como a filosofia “budista” depende de argumentação, então não pode reduzir-se a “eu sou”; é preciso existir outra pessoa para que possa existir argumentação entre “eu”  e “você”; o Senhor Kṛṣṇa argumenta com Arjuna o fato de que Ele e Arjuna sempre existiram, mas Arjuna não se recorda (B.gita. 2.12), portanto, há uma argumentação entre Kṛṣṇa e Arjuna (o que poderemos aqui reduzir de encontro entre Paramātma e Ātma), e sem que caiamos num dualismo ingênuo.
4) existimos (o Ātma que somos) em diferentes corpos, mas o fato de termos diferentes corpos não quer dizer que sejamos “diferentes” nestes corpos (como usar roupas para cada ocasião não nos muda em essência). Mesmo no transcurso da vida vamos mudando de corpo, de crianças para velhos. Apesar de a reencarnação ser comum entre nós e os budistas, eles não têm uma explicação clara sobre ela. Além do mais, o nascimento “humano” não é garantido, mesmo porque alguém alcança aquilo que deseja numa próxima vida.
5) Buddha é a única fonte para obter conhecimento. Esse reducionismo totalizante é chamado apropriadamente de “tautologia”, e ela peca exatamente por ser um pressuposto de verdade. Como podemos conhecer? A pergunta é filosófica, e a teoria do conhecimento budista não aceita um principio de conhecimento “padrão” ou standard, tornando-se especulativa, por conseguinte; de certo modo, isso gera a expressão yata mata tata patha” ‘cada um estabelece a verdade segundo a si mesmo’;  isso é solipsismo e idiossincrasia puros.
6) nirvana é a meta última. Como vimos, a “aniquilação” não se sustenta pela idéia eterna de “criação”. Porém, aniquilação é algo que se aplica ao que é temporário, não “eterno”; se a criação é eterna como se aniquila? o Senhor Kṛṣṇa explica no gita, canto 4.9 que “alcançamos um corpo espiritual”, portanto somos almas espirituais, e não corpos materiais;
7) dizem que a filosofia de Buddha é o único caminho: se há erros de lógica sumários na filosofia budista, como poderemos então aceitar que seja o único caminho? Isso é pressuposto de verdade, uma tautologia que em si encerra algo do tipo: todo-todo, nada-nada; nenhum-nenhum. 
8) Os Vedas foram escritos por humanos! Mas os Vedas são ensinamentos advindos do Supremo, Eles não foram criados pelos humanos; são transcendentais, e o conhecimento filosófico que está neles transcende as regras gramaticais. Pelo fato de alguém anotar algo segundo uma gramática deficiente não lhe afasta a idéia que quer transmitir. Os problemas filosóficos permanecem: quem somos, de onde viemos, para onde iremos? Hermenêutica é uma ciência filosófica, e simplesmente negar as perguntas não às responde e, por fim,
9) somente somos objetos de misericórdia de uma pessoa superior. Se formos aconselhados a ter misericórdia, devido ao sofrimento e miséria de alguém, aqui se refere à miséria de uma pessoa inferior a nossa. Alguém superior a nós não pode ser objeto de nossa misericórdia. O contrário é que é real. Este mesmo princípio defende que a justiça é a única forma de estabelecer a paz. Mas o que é justiça para um não será para outro, ainda que num mesmo objeto. Estes princípios relativos não se encaixam nas tautologias defendidas pelos budistas. 

Como vimos, as nove teses de sustentação budistas são falhas, porque partem de um pressuposto de verdade para negar outro. É evidente que se aceitamos a criação temos que aceitar um criador. Mesmo o tal “silêncio” dos budistas está cheio de ruídos da imperfeição da filosofia deles. Ao contrário do que argumentam, não é o negar de uma coisa que a soluciona, mas a dobra, “com/plica”.

Conclusão
Sri Adi Sankara Acharya
As nove “teses” budistas, nascidas na simples apreensão de alguém definitivamente não filósofo não se sustentam diante dos argumentos filosóficos do Sanātana-dharma. Há outros inumeráveis defensores da lógica Védica, bem como da Filosofia dos Vedas, como Śrī Kumārīla Bhāṭṭa, por exemplo, e do qual iremos falar num texto futuro (ver Por que não somos budistas II)
Nossa crítica aqui se reduz tão somente à Filosofia, pouco nos interessa discussões outras de fundo ideológico ou sectário e ou místicos religiosas. A diferença entre uma discussão teórica filosófica e uma de caráter ideológico é claramente citada por Bunge: “... uma teoria é constituída de hipóteses, não de afirmações dogmáticas, e não contém juízos de valor nem programa de ação (...) Além disso, em geral uma ideologia não é produto da investigação básica, e nem se modifica com os resultados desta: até aqui, as ideologias (no seu sentido amplo) têm sito bastante resistentes às novidades científicas. Uma ideologia pode mudar, mas apenas nos detalhes: se um ismo mudasse radicalmente, deixaria de ser aquele ismo”. [11]
O Sanātana dharma não se trata de “ideologia”, nem está calcado na tola visão solipsista e idiossincrática do “eu acho então”, tão comum e ordinária no pensamento da simples apreensão. Uma reflexão profunda entre as visões irá pelo menos oportunizar o conhecimento acertado de cada aspecto, fazendo com que o buscador encontre o sentido e orientação seguro para sua sabedoria.

hari hara om tat sat



Glossário
Ācarya: mestre que ensina pelo exemplo; alguém ligado de forma fidedigna a uma Sampradaya e Guru parampara.
Acidente: em Filosofia diz respeito ao aparente, externo, efêmero; que não afeta a essência ou substância.
Advaita: pron. ”aduaita”= não-dual”; princípio filosófico da unidade entre Brahman, Prakṛiti e Puruṣa.
Ateísmo: “a= não; teísmo= deus”; não crença em Deus; ausência de Deus.
Ātma: consciência, “alma”, aquilo que somo realmente; o mesmo de Brahman.
Bhagavad-gītā: “sâns. masc. pron. o “bhagauad guita”; “A canção de Bhagavam”; poema épico védico, contendo relembranças sobre os ensinamentos dos Vedas.
Budismo: termo genérico referente a várias crenças religiosas niilistas e atéias.
Dikśa= sâns. pron.  “diik-sha”, processo védico, segundo a tradição, de receber a iniciação através de um guru fidedigno na sucessão discipular; sem ente processo uma pessoa não pode ser considerada “hindu”.
Doxa: (δόξα) é uma palavra grega que significa opinião e de onde se originam as palavras ortodoxo e heterodoxo. Utilizado pelos retóricos gregos como ferramenta para formação de argumentos através de opiniões comuns, a doxa foi manipulada pelos sofistas para persuadir as pessoas, levando Platão a condenar a democracia ateniense. Modernamente significa, opinião pessoal; irreflexiva, sem episteme ou conhecimento verdadeiro; pura crendice.
Filosofia: do grego Φιλοσοφία: philos - que ama + sophia - sabedoria, « que ama a sabedoria »; é a investigação crítica e racional dos princípios fundamentais relacionados ao mundo e ao homem.
Miśra: sâns., “miśra”: confuso, ambíguo, misturado, misto, mixado.
Mokṣa: liberação do Samsara.
Nirvana: no Sânscrito tem o sentido de “nir= não; vana= ruído”; “sem ruído”. O Hinduísmo usa o termo nirvana como um sinônimo para moksha e fala-se a respeito em vários textos hindus, bem como na Bhagavad-Gita. Os conceitos hindus e budistas de Nirvana "não devem ser considerados equivalentes".
Nyāya: é uma das seis escolas de pensamento que integram a filosofia indiana ortodoxa. O fundador dessa escola, Gautama, era conhecido em sua época como Aksapada, o de olhos fixos nos pés. O texto de maior importância dessa escola é o Nyaya-Sutra, escrito no século VII a.C. A escola Nyaya é de importância ímpar no desenvolvimento da filosofia indiana devido ao seu papel na construção de um sistema lógico e analítico, do qual nasceu todo o resto da filosofia lógica indiana enquanto que houve desenvolvimentos paralelos em diversas outras áreas filosóficas.
Pramāna: Epistemologia védica; auto-evidência sagrada; origem do conhecimento.
Saṁpradaya: tradição que segue a ordem de sucessão discipular ou guru parampara de uma linhagem fidedigna, surgida na origem dos tempos. A palavra literalmente pode ser lida como “tradição”, isso porque segue o Pramana dos Vedas.
Saṁsāra: roda de nascimentos e mortes; “reencarnação” do Ātma num corpo material.
Sanātana Dharma: sâns.: pron. “sanátana= eterno ou sempre sendo”; “dhárma= ordem; princípio”; “ordem eterna”; correto nome para “hinduísmo”. A religião védica.
Śrī Adi Śaṅkaracarya: restabeleceu o teísmo védico na Índia no séc. VIII; Sua presença foi decisiva para a expulsão definitiva dos budistas do território Bharata Varsa (o que chamam Índia) e reimplantação do Sanatana Dharma. Foi o principal formulador doutrinal do Advaita Vedânta, ou Vedânta não-dualista. Segundo a tradição, foi uma das almas mais excelsas que já encarnaram neste planeta, chegando a ser considerado uma encarnação de Shiva. Sua vida encontra-se envolta em mistérios, prodígios e lendas que a tornam semelhante à de outros insignes mestres espirituais da humanidade, como Jesus e Maomé. Outras grafias do seu nome são: Sankaracharya, Sancaracarya, Shankaracharya, Sankara, Adi Sankara, Adi Shankaracharya ou Adi Shankara, também chamado de Bhagavatpada Acharya (que significa "o Mestre aos pés do Senhor").
Śrī Kṛṣṇa: A Suprema Personalidade de Deus; o todo atrativo.
Tautologia: do grego ταὐτολογία é, na retórica, um termo ou texto que expressa a mesma ideia de formas diferentes. Como um vício de linguagem pode ser considerado um sinônimo de pleonasmo ou redundância. A origem do termo vem de do grego tautó, que significa "o mesmo", mais logos, que significa "assunto". Portanto, tautologia é dizer sempre a mesma coisa em termos diferentes.
Vedānta: sâns. pron. “vedânta”; “conforme os Vedas”; parte dos Vedas. Visão
Vedas: (pronuncia-se “os vêdas), conjunto de ensinamentos sagrados; máximas do Sanatana Dharma; ponto final (télos= finalidade; para quê) de comparação e esclarecimento de um problema filosófico; Pramana.

Referências Bibliográficas

MARITAIN, Jacques. Introdução Geral à Filosofia. 15ª Ed., Rio de Janeiro, Agir, 1987.
- Dicionário on-line de Filosofia. http://www.defnarede.com/
Aiyar & Tattvabhushan, Sri Sankaracharya. Su vida y época. Biblioteca Orientalista, Barcelona, 1908.



[1] A expressão advém do Grego: “doxa= opinião”, oposta a “episteme= conhecimento racional” fora da idiossincrasia e solipsismo.
[2] “Sapere aude” é uma expressão do Latim que significa, "ouse saber" ou "atreva-se a saber", por vezes traduzido como "tenha a coragem de usar teu próprio entendimento". Seu emprego mais conhecido está no ensaio “Razões do Iluminismo”, de Immanuel Kant, que dá ênfase à luz da razão, ao contrário das crenças e tolas idiossincrasias.
[3] MARITAIN, Jacques. Introdução Geral à Filosofia. 15ª Ed., Rio de Janeiro, Agir, 1987, p. 28.
[4] Ibidem, p. 28
[5] Quando alguém não possui argumentos filosóficos e lógicos sobre alguma coisa, então transfere para outra. Por exemplo, dizer que a vida da Terra surgiu de outros planetas não supera o problema da “origem da vida”, apenas o transfere, sem responder as questões filosóficas envolvidas.
[6] MARITAINS, Jacques, p. 28, grifo nosso.
[7] Não faz muito tempo exibiram uma novela, total ficção, mal informando sobre o que é o “hinduísmo” ou Sanatana Dharma, misturando com superstições populares e cultuais com o sentimento religioso.
[8] Sadhu, guru e Sastra refere-se à sabedoria ou ao sábio (sadhu), pertencente a uma linhagem fidedigna ou Sampradaya, e que baseia-se nas Escrituras e ou comentários autorizados dElas (Sastras).
[9] Pronuncia-se “chaitãnia)
[10] Lógica védica.
[11]Ibidem, p. 149.