quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Por Que Não Somos Budistas II

Por Que Não Somos Budistas II

SWAMI KṚṢṆAPRĪYĀNANDA SARASWATI


Gīta Āśrama
2010

Immanuel Kant – filósofo iluminista do sec. XVII, que se inspirou em Śrī Kumārīla Bhāṭṭā, sec. VI
: - :
O
 leitor precisa conhecer a verdade, e saber que “hinduísmo” é distinto do budismo. (veja mais em Por que não somos Budistas I) O Sanātana-dharma é anterior a quaisquer denominações posteriores, bem como anterior à divisão sectária e sionista religiosa que hoje se conhece no mundo. Convém salientar, que budismo e hinduísmo (ainda que este último termo seja pejorativo, porque se refere a um “povo ignorante” – hindu tem a mesma origem que “indigente”, ou seja, sem gênio, sem alma, etc.) - não são possíveis de conciliação, porque o primeiro é ateu, niilista e agnóstico, enquanto o Sanātana-dharma é teísta, panteísta, e têm no conhecimento do Ser ou Ātma o fundamento. Portanto, não há como colocar os dois. “hinduísmo” e budismo (do smuitos que há) em conjunto e considerá-los uma só e mesma coisa, porque um contradiz o outro. Quem defende o contrário, com certeza, é tão confuso quanto sua tese insustentável. De fato, Lógica não é o forte dos budistas.



Contexto histórico
A forma como os budistas – século VII - vinham mantendo o povo da Índia sob o viés materialista e ateu chamou a atenção de estudiosos e acadêmicos daquele continente - legado dos insuperáveis Vedas, textos considerados falhos pelos budistas. É certo que foram longos anos de quase total esquecimento do Sanātana-dharma, ridicularizado pelos niilistas defensores e seguidores do budismo, comerciantes e articuladores políticos. Contudo, isso também serviu para o fortalecimento de uma resistência coerente e definitiva contra a visão materialista e ateia que se formou. Entre os principais críticos da visão contrária ao Sanātana-dharma, portanto contra as teses budistas, encontramos o eminente filósofo indiano, Śrī Kumārīla Bhāṭṭa.

Aparecimento de Kumārīla Bhāṭṭa
Pouco sabemos da biografia de Kumārīla Bhāṭṭa, mas ele ficou muito famoso devido  as Suas teses embrionárias do renascimento do Mimāṁsa no século VII. Kumārīla Bhāṭṭa - कुमारिल भट्ट,  - o qual é considerado o catedrático do Mimāṁsa, nasceu provavelmente na região conhecida como Prayāg, hoje Allahabad, no Uttar Pradeś, Índia. Um dos tratados mais notáveis do filósofo chama-se Mimāṁsaślokavārṭṭika (Versos explanatórios do Mimāṁsa). Bhāṭṭa foi um sólido defensor da validade e da supremacia dos Vedas, sendo um notável seguidor do Purva-Mimāṁsa, e um ritualista convicto (aspecto este criticado por Śaṅkarācārya). O Vārṭṭika contém um comentário da maioria dos sūtras de Jaimini Mimāṁsa Sūtras,[1] considerado o fundador do Mimāṁsa.

Posição filosófica
Há diferentes considerações com respeito à visão de um “deus pessoal” em Kumārīla Bhāṭṭa, conforme alguns estudiosos. Manikka Vachakar defende o fato de que Kumārīla promove um Deus individual – Parabrahman – o que, de algum modo, conflitaria com a escola Aparabrahman do Mimāṁsa.[2] Contudo, no Vārtṭika, ele faz todo o possível argüindo contra a teoria de um deus criador (a exemplo do deus sionista). Ele também coloca que alguns Mimāmsī consideram os Vedas como apauruśeya, ou como não-autorizados (conforme vêem os budistas). Mas o mais notável é sem dúvida a sua visão contrária a posição budista medieval sobre os ritos védicos. É dito que a sua forte oposição à visão anti-ritualística budista contribuiu para o declínio do budismo na Índia. Sem nenhuma dúvida, o Seu trabalho contribuiu de forma extraordinária na influência de outras escolas de filosofia indiana, especial e notavelmente no Advāita-vedānta, este tendo Śrī Ādi Śaṅkara como o principal defensor.
Filosofia da Linguagem
Kumārīla Bhāṭṭa, bem como Seus seguidores na tradição Mimāṁsa, todos conhecidos como Bhāṭṭas, possui argumentos fortes na visão da composição semântica, chamada de abhihitānvaya (preposição e conclusão do que foi dito). Conforme este visão, o significado de uma sentença é alcançado depois de o significado de cada palavra individualmente. Portanto, as palavras são independentes, objetos completos, o que, de certo modo, aproxima-se da idéia do matemático Géza Fodor.
A visão proposta por Kumārīla Bhāṭṭa foi debatida por cerca de oito séculos pelos seguidores da escola Prābhākara dentro do Mimāṁsa, uma vez que defendem que as palavras na designam algum significado direto; qualquer significado que surge está conectado com outras palavras: anvitābhidhāna – anvita= conectado; abhidhā= denotação. Esta visão foi influenciada pelos argumentos holísticos da teoria de Sphoṭa [3] de Bhartṛhari
A crítica dos Prabhākaras está no argumento de que os significados de uma sentença estão ligados diretamente, por um sinal perceptivo e contextual, pulando o estágio de captar significativamente o significado individual de uma palavra, ponto de vista muito semelhante a atual lingüística conhecida como “underspecification[4], a qual refere-se a aos giros dinâmicos na semântica, a qual se opõe de aproximações puramente composicionais para julgar ou pronunciar um significado.

Crítica ao Budismo
Notável entre as críticas de Kumārīla Bhāṭṭa encontramos nos argumentos contra a visão budista do séc. VII. Tendo em vista provar a superioridade das escrituras Védicas (que haviam sido descaracterizadas pelos budistas), Kumārīla Bhāṭṭa apresentou vários argumentos novos diante das acusações dos niilistas, vejamos alguns:
1.       As escrituras dos budistas e dos jainistas não podem estar corretas, porque contêm muitos lapsos gramaticais. Tomando especificamente o verso considerado budista: «ime samkhada dhamma sambhavanti sakarana akarana vinassanti», “estas efervescências surgem quando a causa esta presente e perecem quando a causa está presente”. Do seguinte modo ele apresenta o seguinte argumento: “As escrituras dos budistas e dos jainistas estão compostas numa linguagem preponderantemente incorreta – asadhu, com palavras das linguagem Magadha e Dakshinatya, ou mesmo nos seus dialetos tadopabhramsa. Portanto, são composições falsas – asannibhandhana; elas não podem possibilitar um verdadeiro conhecimento ou śāstra. Por contraste, a verdadeira forma em si mesma da bem-apresentada linguagem dos Vedas, provam Suas autoridades como sendo independentes e absolutas”.[5] Como se disse, os argumentos de Bhāṭṭa vale-se fortemente na sua idéia de que os significados de cada palavra individual devem ser completo pela sentença para ter um significado. Isso denota que o cânone Pali (os escritos budistas de então), foi intencionalmente gravado em dialetos locais, e não numa linguagem apropriada apenas para o culto.[6]
2.       Cada escola existente contém alguma escritura como sendo correta.[7] Tendo em vista mostrar que os Vedas eram corretos, ao contrário do que diziam os budistas e jainistas, Kumārīla diz que, “a ausência de um autor protege o Veda contra toda a censura” . Não há “... nenhuma forma de provar que o conteúdo das escrituras budistas estão diretamente erradas em espírito[8], a não ser que alguém desafie a legitimidade e a natureza eterna da escritura em si mesma. É bem conhecido que o cânone Pali foi escrito depois da morte de Buddha. Fora disso, mesmo que eles fiquem com as palavras de Buddha, elas não serão eternas e sem autor como os Vedas.[9]
3.       A escola Budista Sautrantika crê que o universo era momentâneo – kśanika. Kumārīla diz que isso é um absurdo, dado que o universo não desaparece em cada momento. Além disso, não importa o quão pequeno seja definida a duração de um momento, alguém poderá dividir o momento dento de infinitas outras partes.[10] Kumārīla argumenta: “... se o universo não existe entre momentos, então em qual destes momentos ele existe?” além disso, uma vez que um momento pode ser dividido em partes infinitesimalmente menores, isso significa dizer que essencialmente os budistas reivindicam que o universo não existe. Isso, num monte de meios em consonância com o Seu literal entendimento do Sânscrito da palavra Śunya (literalmente “zero”), é encontrado no cânone Pali, e sendo comentado por muitos budistas posteriormente. É digno de atenção aqui, que o cânone Pali diz que o Saṁsāra (roda de nascimentos e mortes), é caracterizado como “anicca” – impermanente, não momentâneo. Além disso, o entendimento do Mimāṁsa (bem como do Vedānta), Śunya é inconsistente com o significado descrito no cânone Pali.
4.       A determinação da percepção – pratyakśa pariccheda; esta possui muitas similaridades com a filosofia da “Crítica da Razão Pura” de Immanuel Kant, o filósofo iluminista do séc. XVII, ainda que o assunto em questão possa não ser o mesmo, dependendo do enfoque. Contudo, Kumārīla compreendia que a escola budista fora maior do que qualquer outra escola filosófica não-budista naquele tempo. Seu contemporâneo mais jovem Śrī Ādi Śaṅkarācārya, também não aceitou o budismo. O esforço para empreender o retorno da prática védica entre os indianos foi hercúleo.

Lendário de Sua vida
É dito que Kumārīla Bhāṭṭa fora estudar o budismo em Nalānda, uma das maiores universidades do mundo na ocasião, fundada no séc. IV, tendo em vista refutar a doutrina budista a favor do ritualismo da religião védica. Ele fora expulso da universidade quando protestou contra seu professor, conhecido como Dharmakirti, o qual estava ridicularizando os rituais védicos. Dizem que mesmo tendo sido jogado pela janela da torre da universidade, ele sobreviveu sem qualquer ferimento. Os entusiastas da filosofia Mimāṁsa dizem que isso aconteceu devido ao fato de Kumārīla ter imposta a condição de infalibilidade dos Vedas.
Deixando Nalānda, Kumārīla Bhāṭṭa e fixou-se em Prayag, hoje Allahabad. Dois anos depois, ele enfrentou seu professor num debate sobre gramática e lógica. A vida estava em jogo neste debate; o perdedor sofreria uma morte lenta pela auto-imolação. É dito que pelo fato de ter causado a perda do seu professor, ele também decidiu cometer o suicídio da mesma maneira.
Um trabalho do medievo de Śrī Śaṅkata, considerado preciso, diz que Śaṅkara desafiou Bhāṭṭa pra um debate no seu leito de morte. Nesta ocasião, o Bhāṭṭa encaminhou Śaṅkara para um discípulo conhecido como Viṣvarūpa ou Maṇḍana Miśra. Este debate ficou muito famoso, estando em jogo a saṁnyāsa de Śankara e o gṛhāsta de Maṇḍana. Uma vez que Śaṅkara vencera o seguidor de Kumārīla e ainda a sua esposa Bhāratī (considerada uma encarnação de Saraswatī), eles seguiram o Ācārya e ficaram responsáveis por Maths ou centros Śaṅkarites do Advāita-vedānta. O trabalho, no entanto, não especifica claramente se o leito de morte era uma pira de fogo lento ou outra coisa.
Também é dito que Śaṅkara implorou para que Bhāṭṭa não cometesse suicídio. Há autores que dizem que Bhāṭṭa não cometera suicídio, mas que continuou a viver com duas esposas e muitos estudantes, um dos quais fora Prabhakāra. De acordo com esta visão, Kumārīla Bhāṭṭa morreu em Varanāsi com 80 anos de idade.

Conclusão
O reafirmar-se do Sanātana-dharma na Índia, a partir do séc. VII, e d’Ela  para o mundo, deveu-se principalmente ao enfrentamento intelectual, com o uso e recurso de argumentos lógicos e consistentes ao restabelecimento da Filosofia praticados por grandes filósofos do passado. De modo peculiar, vemos que tão logo a visão niilista budista foi enfraquecendo na Índia, devido a natural sucumbência de qualquer ideologia e falta de conhecimento diante de uma filosofia consistente, a prática ritual védica foi se reafirmando. Isso não seria possível, no entanto, sem a presença intelectual de filósofos como Śrī Kumārīla Bhāṭṭa e Śrī Ādi Śaṅkarācārya. O budismo, sem dúvida, montou muitos monastérios e pretendia instalar uma espécie de monarquia monástica, e de fato logrou êxito no Tibete e em outros locais sem grande significado. Mas o número deles não provou a potência. Apesar de ter ficado oculto, e vilipendiado por mais de um milênio, a Filosofia do Sanātana-dharma se reergueu no pensamento prático de Śaṅkara e outros filósofos, recuperando a Sua originalidade, e livrando-se das miśras ou misturas peculiares na ausência de uma clara visão e percepção da Filosofia. Pouco a pouco, pela valentia intelectual dos sábios filósofos, reergueu-se a filosofia védica, mostrando que o Ser ou Ātma é a realidade inequívoca da Ontologia védica. É agora provável que os filósofos e estudiosos dos dias atuais, possam ingressar no campo filosófico védico de forma não sectária ou religiosa, e compreender que verdadeira Filosofia é atemporal, bem como não possui propriedade de pátria, raça ou divisões políticas.

Hari Hara oṁ tat sat







[1] Śrī Jaimini é conhecido pelo tratado Purva Mimāṁsa Sūtras, ou Karma-mimāṁsa – Estudo da Ação Ritual – um sistema que investiga as injunções védicas. É dito que Jaimini foi discípulo de Veda Vyāsa (o compilador dos Vedas), legando a tradição por Paraṁpāra ou sucessão discipular, que chegou até Śrī Ādi Śaṅkarācārya.
[2] Há duas formas conhecidas de ver a questão de Brahman, o Absoluto: Saguṇa, com qualidades; portanto, manifesto ou Vyakta, e Nirguṇa, sem qualidades, por isso, Avyakta ou imanifesto. Ver o cap. XII do Bhagavad-gītā.
[3]Sphoṭa” diz-se “is_pôṭ”, trata-se de um conceito na tradição gramatical indiana, relacionado ao problema da produção da fala; como a mente faz a ordenação da unidade lingüística, dentro de um coerente discurso e o seu significado. Esta teoria está associada ao filósofo e gramático indiano do séc. VII, Bhartṛhari
[4] A teoria lingüística “underspecification” defende um fenômeno (lingüístico, evidentemente) onde certos traços são omitidos em representações sublinhadas.
[5] Na medida em que palavras são colocadas para explicar um argumento, e estas têm distintos significados de acordo com quem as apresenta, não se pode ter certeza do que realmente se está querendo dizer.
[6] Os budistas justificavam que os textos deveriam ser escritos na linguagem do povo, porém as interpretações se mostraram variáveis conforme a vontade de quem os lia; uma espécie de “nivelamento por baixo”.
[7] Os budistas e jainistas argumentam que não há nada definitivo e que nenhuma escritura é correta devido a isso. Como descaracterizaram os Vedas, aqui é colocado que não tem como fundamentar uma escola que seja sem uma escritura que seja.
[8] Aqui “espírito” tem o sentido de “sentido; significado”; uma vez que não há como comprovar a legitimidade de um texto, e não há como contra-argumentar, então é um pressuposto de verdade sem apauruśeya.
[9] Porque estarão presas a um tempo, lugar e circunstâncias da visão de uma pessoa.
[10] É o que defende a escola atomista Vaiśeśika.

Bibliografia consultada

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FEUERSTEIN, Georg. Manual de Ioga. São Paulo, Cultrix, 1977.
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LEMAITRE, Solange. Hinduísmo ou Sanātana Dharma. São Paulo, Flamboyant, 1958.
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PRAŚAD, Rāmānanda. The Bhagavad-gītā. 3a ed., IGS, Berkeley, 2001. 
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terça-feira, 16 de novembro de 2010

A Índia continua sendo Hindu

A Índia continua sendo Hindu

Swami Krsnapriyananda


IGS Brasil
Gita Ashrama
2010

Parada de elefantes em Delhi (foto Revista Época)








Índia, a origem
A história da Índia é a história da humanidade. Sem dúvida, não temos como negar isso, porque a região do que hoje chamamos Índia, ou “Bharata” conforme os indianos a chamam - é a terra da diversidade cultural e religiosa. Diversidade, abundância, variedade, são características da Índia. Se há povo que possui uma grande variedade de religiões, cultos, crenças, bem como uma enormidade de línguas vivas faladas, sem dúvida este é o da Índia. Mais de 20 línguas oficiais; cerca de 30 comemorações de ano-novo diferentes. Se somarmos as variações dentro do que chamamos de “Hinduísmo” – Sanatana-dharma-, encontraremos cerca de trinta mil do que conhecemos no Ocidente como “religião”. Apesar desta imensa variedade de pessoas, crenças e língua, a Índia é, sem dúvida nenhuma, o país da Democracia. Em poucos lugares do mundo poderemos encontrar uma diversidade de pessoas e crenças como o que vemos na prática religiosa da Índia. Além da enorme diversidade de “religiões” dentro do que conhecemos como “Hinduísmo”, há quase uma centena de religiões outras, normalmente advinda de outras regiões próximas ao território indiano, geralmente do Oriente Médio. A Índia é onde podemos encontrar Parsis (a antiga religião dos Persas); Sikhs, uma mescla de Hinduísmo como Islamismo; Jainistas, culto niilista ateu, que deu origem também a culto de igual ordem, o Budismo. Também encontramos Mazdeistas ou Zoroatros; Judeus indianos (alguns reivindicam a nacionalidade israelita, por se consideram “tribo perdida de Israel”, e mais recentemente os Lamaistas, advindos do Tibete, expulsos pelos chineses, etc.

Também encontramos Islâmicos das mais variadas ordens, inclusive, alguns que compactuam com as festividades dos Hindus. Apesar de grandes conflitos locais promovidos por fanáticos islâmicos, a Índia abriga centenas e milhares de credos, religiões, crenças, seitas, numa infinidade que não seria possível denominarmos completamente.

Os cristãos, chegados em grande parte no período da colonização européia, apesar da longa dominação que se estabeleceu no comércio com as índias, não são expressivos em número no continente. Muito poucos se converteram à fé trazida pelos Europeus; então mantiveram uma convivência pacífica com aqueles que defendem o religião do Messias.

Um exemplo do período colonial português está em Goa, onde encontramos a Igreja de São Tomé, local que é dito estar o corpo daquele discípulo de Jesus. Nesta igreja, muitos vêm orar com seus trajes típicos indianos; de fato, não é possível diferenciar a adoração que é feita naquela igreja daquelas que são feitas nos templos ao Senhor Krishna ou de Devi (forma feminina de Deus). Quem sabe, a diferença mais notável seja a presença do crucifixo, que apesar de não ser de uso exclusivo dos cristãos, aos poucos se firmou como ícone representativo daquela fé.

Colonizadores
A recepção aos pregadores cristãos, na época das Grandes Navegações, até a independência da Índia em 1947, no mais das vezes foi pacífica. A convivência com a tradição religiosa e cultural da Índia e dos ingleses acabou dando um matiz diferente para o que hoje temos conhecido como “sistema de castas”. Até a chegada dos ingleses, “casta” ou “varna”, dizia respeito tão somente à ocupação e função que cada um exercia na sociedade. A distinção trazida entre realeza, comerciantes, e povo em geral, inclusive com a proibição de casamento entre pessoas de “classes diferentes”, acirrou-se com a dominação inglesa.

Nos primeiros tempos da colonização, a coroa inglesa impedira que os pregadores anglicanos fossem até a terra das especiarias conquistar novos adeptos. Mas no devido decurso do tempo as missões de conversão se infiltraram na Índia. Apesar do enorme esforço despendido pelos evangelistas ingleses, foram poucos os que se converteram a nova fé. A grande maioria dos convertidos tratava-se de muçulmanos pobres. A razão para isso se deveu ao fato de que religião na Índia é o que tem menos influência, estando abaixo da religiosidade e da fé. Uma forma diferente de conviver com o Sagrado. De acordo com a religiosa da Índia, se há tão somente um único e mesmo Deus, então, por que mudar de religião? Ainda mais que a religiosidade vivida em Bharata é prática, e vivencial, não se separa Deus e o mundo. Profano e sagrado é uma questão de consciência. Na filosofia prática religiosa da Índia, Deus não está fora ou dentro de templos tão somente, mas sim dentro de nós. Assim como a morte não está distante da vida, Deus não está fora, mas dentro de nós. Ele é imanente e transcendente. Por conseguinte, Deus é uno e igual para com todos. Eis porque foi difícil converter os indianos ao cristianismo, onde mesmo hoje notamos o pequeno número deles em todo o imenso território da Índia. Nem mesmo o apelido depreciativo “índio”, “indígenas”, que tinha o sentido original de “gentinha; com jeito e cara de gente, mas não são gente, nem sequer têm almas”, porque não eram batizados, foi suficiente para demover a fé prática que os indianos possuem.

Tentativa nova
Apesar da insistência de conversão dos indianos ao cristianismo, realizada pelos antigos cristãos, a presença deles no território da Índia fora pacífica. Um ou outro evento isolado promoveu algum distúrbio temporário, mas nada que não fosse resolvido de forma diplomática e pacífica. Mas a partir da década de 50 acirraram-se a chegada dos neopentecostalistas. Com a independência, a Constituição da Índia, promulgada em 1947, tendo sido uma conseqüência direta da ação do movimento de resistência pacifica de Mahatma-Gandhi, a Índia tornou-se o maior país democrático do mundo.

A abertura para as religiões cristãs, agora num grande número de denominações, deu início a uma campanha em massa de conversação. Contudo, mais uma vez, a grande diversidade religiosa e de línguas, bem com a imensa variedade de povos, povoados, hábitos e costumes, não permitiu que a "conversão" atingisse mais que uns poucos números, nada muito significativo, numa população que na época chegava aos 800 milhões de pessoas.

Mesmo que a população da Índia hoje beire um bilhão e duzentos milhões de pessoas, encontrar cristãos na Índia, sem dúvida, será difícil, e a sua maioria será constituída de estrangeiros. As razões permanecem as mesmas: diversidade da cultura; religião vivida na prática sem separar o “profano” do “sagrado”; crença que Deus é um e mesmo, apesar de Seus muitos nomes e formas. Em fim, a Índia vive uma religião desinstitucionalizada, e o ethos de um Deus vingativo, pobre em imagens, nomes e formas, não atrai.

Contudo, a experiência antropológica diz que há normas culturais que permanecem acima de qualquer nova idéia, principalmente se esta é advinda de fora. Um exemplo notável foi o que aconteceu no ano passado, 2006, então, um grupo de neopentecostalistas, encabeçados pela Igreja Universal, beirou à loucura. Por exemplo, semelhante à "gota dágua" que originou a "revolta dos Cipaios" (ver no final do artigo um texto sobre isso), entre tantas outras coisas, eles ofereceram do modo dissimulado carne de gado para o povo. Quando isso foi descoberto, gerou tamanha rebelião dentro do país que ficou muito difícil alguém manter sua posição de cristão sem ser molestado por algum grupo de devotos ou religiosos indianos. Apesar de nós aqui termos bem claro as distintas diferenças entre uns e outros cristãos, na Índia isso não existe. Para eles, todos que defendem a religião do Messias são cristãos, independentemente do “cristianismo” que defendam. Então, tamanha desavença gerou por fim a expulsão da maioria dos neopentecostalistas da Índia, ato votado pela  Corte indiana, que amparada na Constituição e nas Leis Civis, não mais permitiu que aqueles atuem em todo o território da Índia, tampouco nas ilhas além-mar que sejam do Governo indiano. Foram expulsos, não mais poderão entrar no território para fins religiosos.

Conclusão
O povo da Índia, vista como sendo a terra de “pagãos ignorantes” - por parte dos neopentecostais, e muitos cristãos tradicionais - até então absolutamente pacífico por centenas, senão milhares de anos, com uma cordial convivência religiosa entre os povos e religiões do mundo, mostrou-se firme e mais do que nunca convicto da sua própria fé. Como vimos, religião é o que menos incomoda o indiano. Há centenas de milhares delas por toda a Índia. Pode ser que numa mesma casa convivam pessoas de religiões distintas, sem que isso incomode uns aos outros. Mas apesar desta imensa diversidade religiosa, não será possível impor costumes e tradições outras que estão fora do ethos do povo da Índia. A vaca ocupa uma posição central na fé dos indianos, sejam eles Hindus, ou qualquer outra religião que esteja no país. Mesmo muçulmanos se abstêm de carne de gado, no mais das vezes, porque compreendem se agirem diferente isso irá pôr a Índia em colapso. Isso porque a maior parte da população da Índia cozinha em esterco de gado, e o utiliza como adubo para manter as suas enormes plantações de arroz.

As tentativas de conversão à força, com o uso da violência estrutural na Índia, protagonizadas por aqueles neopentecostais, estranhos morais e ethológicos, não surtiram efeitos na sua pretensão inicial (converter os ignorantes), acabando por gerar a antipatia da população em geral. Lástima que isso tenha acontecido, contudo, isso deverá servir de experiência antropológica para as gerações futuras, quem sabe, numa “moral da história”, possamos entender que o ethos de um povo é sua raiz e tronco, os quais removê-los será mais fácil do que controlar o incontrolável. Tentar mudá-lo será o mesmo que tentar deter o vento numa gaiola, cuja grades sejam feitas de ideologias, na tola maneira de ver os diferentes morais como sendo abjetos da verdade.

Hari Hara OM Tat Sat


Swami Krsnapriyananda Sasraswati (prof. Olavo  DeSimon)
Presidente latino-americano da
IGS - Internacional Gita Society
www.gita-society.com
www.gita.ddns.com.br

Representante do Sanatana Dharma (Hinduísmo) para os povos da Língua Portuguesa, da corrente Advaita Vedanta, tendo como fundador o Maha Param Guru, Sri Adi Sankarachaya, pela sucessão discipular de Swami Hariharji Maharaj, Guru Maharaj de Sri Mahatma Gandhi..

A Revolta dos Cipaios

 Rainer Sousa, 
Mestre em História 

Os cipaios se voltaram contra as exigências impostas

 pelas autoridades britânicas na Índia.



No século XIX, os ingleses promoveram um sistemático processo de conquista do território indiano. A ação britânica integrava as várias medidas que buscavam a ampliação de sua economia em diversas regiões africanas e asiáticas. Entre 1784 e 1858, a Companhia das Índias Orientais britânica capitaneou a conquista econômica e política de diferentes regiões do território indiano.

Bem mais do que alcançar seus interesses particulares, os ingleses também impuseram uma série de transformações que iam contra as tradições e costumes do povo indiano. No plano econômico, a redução das tarifas alfandegárias prejudicou fortemente os comerciantes de tecidos, que logo não suportaram a concorrência imposta pela tecelagem inglesa.

Para garantir seus interesses, a Companhia das Índias Orientais realizava o recrutamento de soldados indianos, chamados de cipaios. Por volta da segunda metade do século XIX, esse exército nativo contava com mais de 200.000 integrantes e se mostrava bem mais numeroso que os oficiais britânicos presentes na Índia. Anos mais tarde, esse grande contingente militar se voltou contra os próprios ingleses.

Em um primeiro instante, os cipaios se mostraram descontentes com a obrigatoriedade dos impostos e com o fato de pessoas de castas diferentes comporem o exército. Logo depois, o estopim para a revolta aconteceu quando os britânicos utilizaram gordura animal na impermeabilização dos cartuchos de fuzil. O contato com tal produto era considerado um sacrilégio pelos indianos, pois estes veneravam o gado e não aceitavam o consumo ou contato com a carne.

No ano de 1857, as rusgas entre os britânicos e os cipaios deram origem a uma série de motins marcados pelo extermínio indiscriminado dos europeus. Representantes do governo britânico, autoridades militares e cristãos foram os principais alvos dos indianos participantes da revolta. Dois meses depois, com o apoio de príncipes locais, os britânicos organizaram uma violenta perseguição contra os cipaios.

Após retomar a cidade de Delhi e render todos os revoltosos, os britânicos decidiram extinguir a Companhia Britânica das Índias Orientais. A partir de então, a Inglaterra assumiu diretamente o governo indiano por meio de um secretário de Estado. No ano de 1877, a tomada do território indiano foi sagrada com a nomeação da Rainha Vitória à condição de imperatriz da Índia.






domingo, 14 de novembro de 2010

Bheda-abheda

Bheda-abheda
Andrew J. Nicholson

Tradução, Introdução, e comentários de
Swami Krsnapriyananda Saraswati
"Direitos autorais da autoria do texto e tradução reservados na forma da lei"

“O mais poderoso veneno não é aquele que mata imediatamente, mas o que lentamente tolhe a liberdade de pensar”.

Krsnapriyananda Swami






Sri Bhaskara, importante propositor do Bhedabheda






Introdução
É Sri Krishna Caitanya, o conhecido devoto Vaiṣṇava de Bengala, o propositor original do Bhedābheda (igualdade e diferença simultâneas entre o Jīva e o Brahman)? É claro que não! Este aspecto dentro do Vedānta era bastante conhecido já há muito tempo antes dele, mesmo na época de Śaṅkara, ou seja, 7 ou 8 séculos antes do seu aparecimento já era conhecido, estudado e debatido entre os Vedantinos. Matemáticos, Astrônomos, Filósofos, pensadores do Vedānta, e mesmo de outras linhagens, sempre se debateram com os aspectos referentes ao Jīva ou “alma individual”, a natureza material ou Prakṛti, e o Brahmam ou Absoluto, como estes aspectos relacionam-se uns com os outros, etc. Referências ao Bhedābheda aparecem em inumeráveis obras e comentários de filósofos e estudiosos do Vedānta, tanto da linhagem Vyaka ou pessoal como Avyakta ou impessoal. O Brahma-Sūtra, considerado o texto mais importante para firmar uma escola legítima de Vedānta (inclusive comentário por Śaṅkara) é um destes tantos textos. Por sua vez, possivelmente os oito versos atribuídos a Caitanya, considerados a única obra por ele “escrita” trata-se de um resumo do Nārada Bhakti Sūtras - que também menciona o aspecto bhedha-abheda - obra que contém todos os aspectos mencionados e considerados por Caitanya como mais importantes. Para a sabedoria dos estudantes, o professor Andrew J. Nicholson, comenta sobre o aspecto do Bhedābheda dentro da filosofia do Vedānta que veremos a seguir, logo depois desta introdução.

Bhedābheda, dualismo ou não dualismo?
Quando Śri Śaṅkarācarya, o maior dos filósofos do Vedānta, propôs a unidade do Brahman, antecedendo a centenas de anos à teoria atômica quântica da modernidade, isso causou bastante alvoroço. A identidade objetiva (do corpo e de suas relações) com o Ātma ou Ser é o motivo por detrás de tanta agitação. Alguém acostumado a pensar dentro dos limites corporais e objetivos tem muita dificuldade de transcender a isso. É bem conhecido da Antropologia Cultural que o chamado “homem primitivo” não se vê distanciado daquilo que ele faz (karma), tal qual uma criança não se dimensiona além dos seus pais. Ou seja, a mãe é uma extensão dela, da criança, e tudo é mediado através da conversão do seu próprio ego. Não era diferente, talvez não seja diferente, com a interpretação e pouca compreensão do Ser, realizada a partir de “pensadores” presos aos mitos e interpretações literais, pouco resolvidas, de textos e indicações do tipo.

O Vedānta de Śaṅkara é uma inquietação incômoda para o Sāṅkhya, filosofia materialista e ateia, e que as vezes se aproxima bastante do niilismo budista. Na visão do Sāṅkya o Brahman é “sem causa” (universo incausado). Mas o Bhedhābheda é uma conformação do materialismo do Sāṅkhya com a possibilidade personificada de Deus interagindo com os homens. Mas em alguns aspectos ele continua sendo materialista. Próximo ao séc. XVI é que tenta-se consolar visões distintas, ou seja, a materialista, ateia, ao materialismo teísta. É provavelmente por esse aspecto materialista que Śrī Śaṅkara manifestou determinada resistência em aceitar plenamente a filosofia do Bhedābheda Vedānta.

Unidade na diversidade
Prakasananda Caitanya Bharati convida Krsna Caitanya Bharati
(ambos Ekadandis de Sankaracharya Bharati Advaita Sampraday)
Na imediatidade objetiva, todos percebemos a múltipla variedade de coisas e seres. Esta variedade nos leva a crer que há diferenciação da unidade. Mas a ciência modernamente está afirmando que a unidade objetiva, ou unidade de todas as coisas no mundo objetivo ou material chama-se átomo. Ainda que este “átomo” (do grego, a= não; tomos= parte; não-divisível), não se constitui em nenhuma novidade dentro do Vaiśeśika, por exemplo (o ‘atomismo’ védico), mas ele é desconhecido na simples apreensão. Sendo o corpo humano portador de sentimentos, e parece que estes estão até mesmo sendo anteriores ao pensamento, é muito provável que isso interfira na pouca compreensão da unidade do Brahman em tudo e em todos. O Bhedābheda é uma tentativa de responder a diversidade como sendo existente no real. Ainda, na sua proposição, era desconhecido o aspecto que “somos iguais exatamente devido às nossas diferenças”. Ou seja, a multiplicidade do Ser comprova a sua unidade. Portanto, o Bhedābheda nada mais comprova que a diversidade prova a unidade. O dualismo é uma ingenuidade daqueles que não conseguem ultrapassar a imediatidade objetiva, preferindo crer num deus que é punitivo no não cumprimento das obrigações de servidão a ele, e que jamais permite que alguém alcance mokṣa ou liberação. A visão dualista é uma visão bastante influenciada pelo Feudalismo, e a forma de domínio das vontades propostas na relação “senhorio-vassalagem”. As propostas de Śaṅkara soaram como uma “patada” na tradição filosófica de entanho, derrubando crenças e tabus até então presos aos mitos e às fantasias. Śaṅkara introduziu a luz da razão dentro do fanatismo ideológico, mítico e doentio, na época prevalecente. Ele nos mostrou que a razão é de fato a única coisa que nos pode libertar do cativeiro do saṁsāra (reencarnação). Somente fanáticos criticam Śaṅkara, por dois motivos simples: são mitômanos que não veem o mundo além de suas idiossincrasias, e porque jamais questionaram o mundo fora daquilo que “engoliram” como sendo verdade. Śaṅkara nos deixa claro que aquele que não pensa por si mesmo, deixa que alguém o faça por ele; portanto, o pensamento é “insalubre” para o ideoligsta, que age por instinto, emoção e compulsão. Algo bem diferente do que é orientado por Krsna no Bhagavad-gita, por exemplo, mas que poucos conseguem ver, devido ao “óculos” ideológico provocado pelo fanatismo da religião. O mais poderoso veneno não é aquele que mata imediatamente, mas o que lentamente tolhe a liberdade de pensar.

Śrī Adi Śaṅkarācarya
Bhagavan Adi Sankaracharya
Este grande filósofo do séc. VIII é, talvez, o único filósofo da Índia o qual fez uma reta separação entre mito, religião e filosofia. Ele mostrou através dos textos considerados “religiosos” que os mesmos eram Filosofia, e todos os aspectos ritualísticos eram meros complementos ligados à particularidade mística de cada um, e estavam sendo interpretados a partir de uma “leitura” própria, ou solipsista, quem sabe, idiossincrática. Mostrou que, com o mero ritual e a reprodução sistemática deles, não nos é possível alcançar Mokṣa, ou liberação do repetitivo saṁsāra. Quando Śaṅkara diz que "o aparente não é real" ele não diz que o mundo não existe, ou nega o mundo. Apenas diz que o aparente tem um ciclo de começo, meio e fim, e que, portanto, não pode ser eterno pela obviedade da sua transitoriedade. A múltipla variedade de objetos existentes nos dá a falsa ideia de diversidade. Também, o fato de estarmos o tempo todo atuando para mantermos as coisas nos dá uma falsa ideia de “evolução” ou de “continuidade”, quando na realidade temos somente ciclos da mesma transitoriedade das coisas.

Śrī Śaṅkara ainda não está totalmente “descoberto”, mesmo após mais de mil anos da sua breve existência material, e da sua filosofia esclarecedora da realidade do Ātma.

Sri Bhāskara Acharya
Bhedābheda liga-se de forma muito íntima com Bhāskara Acharya, o Matemático, Astrônomo, e Filósofo da tradição do Vedānta, do século VII-VIII, o qual escreveu comentários sobre o Vedanta, e o Brahma Sūtras, assim contestando a doutrina de Śaṅkara sobre māyā. Há outros filósofos com o mesmo nome de Bhāskara, mas aqui nos referimos a quem discutiu mais longamente sobre o Bhedābheda. Bhāskara possui uma visão muito semelhante do filósofo Nimbarka, com a diferença que o que chamamos de “alma individual” é uma parte de Brahman que permanece na ignorância; o conhecimento emancipa ou libera o Jīva (as vezes chamado Puruṣa), tornando-o uno com Brahman. Enquanto Nimbarka declara que a alma individual é parte de Brahman, e também una com Ele, ambos os aspectos ignorados pelo Jīva, mas que também alcança a liberação através do conhecimento.

O ponto central da discussão filosófica da ontologia védica é o Ātma, a Prakṛti, e o Brahman (sofrendo estes nomes variações leves, que na verdade são epítetos). E as discussões irão sempre girar em torno destes aspectos.

Para melhor definirmos o que vem a ser a filosofia do Bheda-abheda proposta por Bhāskara, e até mesmo a outros anteriores a ele, e seus sucessores, veremos os principais aspectos e os seus principais representantes neste belo texto de Andrew J. Nicholson.

Agradecimento
Meus especiais agradecimentos ao Prof. Andrew J. Nicholson, e a sua amada e gentil esposa, que muito cuidadosamente corrigiram e revisaram o texto e a tradução do presente artigo. Sem dúvidas, que todos os leitores da língua Portuguesa, irão se beneficiar com este artigo, bem como com as ideias do Prof. Nicholson. Também agradecemos aos devotos que se empenharam em revisar e auxiliar para que o mesmo pudesse ser feito e colocado à disposição de todos no blog.

Recomendados a leitura do livro, “Unifying Hinduism: Philosophy and Identity in Indian Intellectual History (South Asia Across the Disciplines), também do Prof. Nicholson, que amplia o assunto, além de trazer importantes aspectos da Filosofia do Vedānta. O mesmo poderá ser adquirido na Amazon Books.



Bhedābheda Vedānta

por

Andrew J. Nicholson


O Bheda-abheda Vedānta é uma das muitas tradições da filosofia Vedānta na Índia. A palavra sânscrita “bheda-abheda”, tem o significado de “diferente” e “não-diferente”. A posição característica entre as escolas de Vedānta e o Bheda-abheda é que nesta o ser individual (jīvātman) é tanto diferente como não diferente da realidade última conhecida como Brahman. O Bheda-abheda reconcilia as posições das duas outras maiores escolas do Vedānta. O Advaita (não-dual), defende que o ser individual é completamente idêntico ao Brahman. O Dvaita (dualismo) ensina que há uma diferença completa entre o indivíduo e o Brahman. De qualquer forma, cada pensador dentro da tradição Bheda-abheda, possui o seu entendimento particular dos significados precisos dos termos filosóficos “diferença” e “não-diferença”. As ideias do Vedānta Bheda-abheda podem ser traçadas desde textos Vedāntins muito antigos, incluindo entre eles o Brahma Sūtra de Bādarāyaṇa (cerca do séc. IV). Bheda-abheda também possui uma enorme influência nas escolas devocionais ou de Bhakti, que cresceram na Índia no período Medieval. Entre os pensadores medievais que defendem o Bheda-abheda encontramos, Nimbārka (sec. XIII), quem fundou a Nimbārka Sampradāya, a qual agora está centrada em Vrindavana; Vallabha (1479-1531), que fundou o
Puṣṭimārga, uma escola hoje centrada em Nathdwara, no Rajastão; e Caitanya (1485-1533), o fundador da Gauḍīya Vaiṣṇava, espalhada pelo nordeste da Índia, na Bengala Ocidental.

Sumário
1. Visão Histórica
a. Bādarāyaṇa e Bhartṛprapañca
b. Bhāskara
c. Yādavaprakāśa e Nimbārka
d. Vallabha
e. Caitanya
f. Vijñānabhikṣu
2. Ontologia
a. Parte e Todo
b. Aupādhika e Svābhāvika Bhedābheda
3. Causalidade
a. Pariṇāmavāda (teoria da transformação real)
b. Vivartavāda (teoria da manifestação irreal)
c. Satkāryavāda (teoria do efeito pré-existente)
4. Teologia e Soterologia
a. Deus no Bhedābhedavāda
b. conhecimento combinado com atos rituais conduzem à liberação
5. Referências e Leituras recomendadas

1. Visão histórica
Bhedābheda é frequentemente apresentado como uma escola do Vedānta. O Vedānta, por sua vez, é dito algumas vezes como sendo uma única filosofia, quando, na realidade, o “Vedānta” possui diferentes variações. A referência maior está na inclusão, como um rótulo, de uma filosofia que objetiva explicar a seção da parte final dos Vedas, que são os Upaniṣads. Isso, de modo central, ocupa-se com a investigação dentro na natureza da entidade última chamada “Brahman”. Há muitas diferentes considerações sintéticas desta filosofia, e as várias considerações são frequentemente consideradas “escolas de filosofia” em si mesmas. Diferente das bem conhecidas escolas do Advaita Vedānta (não-dualismo); Viśiṣṭādvaita Vedānta (não-dualismo qualificado); e o Dvaita Vedānta (dualismo), faz mais sentido referir-se ao Bhedābheda Vedānta como uma “tradição” ou “família” de filósofos, em vez de uma simples “escola”. Isso é porque, diferente das três escolas antes mencionadas, o Bhedābheda não possui um único fundador, que criou uma rede institucionalizada de monastérios dedicados ao estudo, desenvolvimento, e propagação dos ensinamentos deste. A história do Bhedābheda distancia-se pelo menos ao séc. VII e provavelmente mais cedo, e continua até os dias atuais. Apesar de possuir diferenças filosóficas substanciais entre os vários pensadores Bhedābheda, suas filosofias também mostram certas características semelhantes. Após uma curta introdução histórica, da maioria dos Bhedābhedavādins, examinarei uns poucos pontos de vista, os quais a maioria das escolas Bhedābheda repartem. Estes incluem o entendimento da relação entre o ser individual (jivātman) e o Brahman (Pariṇāmavāda); e a doutrina que a liberação pode apenas ser alcançada por meio da combinação do conhecimento e da ação ritual (Jñānakarmasamuccayavāda), não somente pelo conhecimento.

a. Bādarāyaṇa e Bhartṛprapañca
Numerosos literatos têm concluído que o Brahma Sūtra  de Bādarāyaṇa  (cerca séc. IV), um texto fundamental comum a todas as escolas de Vedānta, fora escrito num ponto de vista do Vedānta Bhedābheda (Dasgupta 1922: vol. 2, p. 42; Nakamura 1989: p. 500). Embora essa afirmação seja contestada por outras escolas, há um pouco de dúvida que o Bhedābheda anteceda o Advaita Vedānta de Śaṅkara. No seu comentário no Bṛhadāraṇyaka Upaniṣad, Śaṅkara (séc. VIII) repetidamente critica as interpretações feitas por um prévio Vedāntin chamado Bhartṛprapañca, que caracteriza a relação entre o Brahman e as almas individuais como unas em diferenças e não-diferença. O desacordo centro entre os dois é que Śaṅkara alega que a inteira criação do Brahman é uma mera aparência (vivarta), enquanto que Bhartṛprapañca sustenta que ela é real (Hiriyanna 1957: vol. 2, pp. 6-16).

b. Bhāskara
O primeiro Bhedābhedavādin largamente reconhecido como tal (filósofo Bhedābheda), por suas publicações anteriores é Bhāskara (séc. VIII-IX). Ele foi um jovem contemporâneo de Śaṅkara ou quiçá um pouco mais que Śaṅkara. Seu único trabalho ainda existente é um comentário sobre o Brahma Sūtra. Esse trabalho foi escrito expressamente tendo em vista defender as ações anteriores dos Bhedābhedavādins contra as interpretações de Śaṅkara no Brahma Sūtra. Apesar de ele nunca mencionar Śaṅkara pelo nome, ele deixa claro no começo que a sua intenção principal no comentário do Brahma Sūtra é opor-se a algum predecessor: “Eu estou escrevendo um comentário sobre este Sūtra, tendo em vista obstruir aqueles comentadores que têm ocultado estas ideias e as recolocado como suas próprias” (Bhāskara 1903: p. 1). Bhāskara é anterior numa longa linhagem de autores vedāntins ocupados em refutar o Advaita (incluindo Rāmanuja e Madhava, para não mencionar numerosos Bhedabhedavādins). Muitas dos argumentos comuns usados contra o Advaita são originados em Bhāskara, se de fato ele não os tomou emprestado de uma origem ainda mais anterior. Ele também parece ter sido lembrado por uma tradição coletiva do Advaita como um espinho ao lado. Então, por exemplo, no séc. XIV, na hagiografia de Śaṅkara, Śaṅkaradigvijaya, Mādhava descreve um “Bhaṭṭa Bhāskara” como um arrogante e famoso Bhedābhedavādin a quem Śaṅkara derrota num prolongado debate.

c. Yādavaprakāśa e Nimbārka
Enquanto que o filósofo do Viśiṣṭādvaita, Rāmānuja (séc. XI-XII), é amplamente conhecido como o mais influente Vedāntin após Śaṅkara, o complicado relacionamento de Rāmānuja com o Bhedābheda é raramente ventilado. O mestre de Rāmānuja foi Yādavaprakāśa, um Bhedābhedavādin. Os trabalhos de Yādavaprakāśa foram perdidos, e, portanto de tudo o qual conhecemos suas ideias, são advindos de Rāmānuja, e um comentador de Rāmānuja, Sudarśanasῡri. No entando, é possível através destas numerosas pistas recolher um esboço da visão básica de Yādavaprakāśa. Rāmānuja descreve Yādavaprakāśa como um expoente do Svābhāvika Bhedābhedavāda, a visão de que o Brahman é tanto diferente como não-diferente do mundo na sua verdadeira natureza, e que a diferença não é simplesmente devido a diferença das condições artificiais ilimitadas (ver Oberhammer 1997: p. 10). Yādavaprakāśa divide a base do seu ponto de vista com Nimbārka (séc. XIII?), e discorda com o Aupādhika Bhedābhedavāda de Bhāskara, quem mantém que a diferença do mundo e o Brahman é devido às condições limitadas. Outra característica do pensamento de Yādavaprakāśa é a insistente repetição de que o Brahman tem a substância da existência pura (sanmātradravya). O relacionamento entre o Brahman e o mundo não é meramente um categoria e individual, mas, de certa forma, ambos são entidades existentes, situando-se em relacionamento de causa e efeito (ver Oberhammer 1997: p. 14).

d. Vallabha
No período medieval, a doutrina do Bhedābheda tornou-se progressivamente associada com os movimentos devocionais (bhakti), no norte da Índia. É principalmente nas respectivas reputações que está a base de como os fundadores das seitas, e não como filósofos propriamente dito (de per se), que pensadores como Vallabha (1479-1531), e Caitanya (1485-1533) tornaram-se largamente conhecidos. Entre os trabalhos mais influentes estão os comentários de Vallabha sobre o Brahma Sūtras, chamado Anubhāṣya, e sobre o Bhāgavata Purāṇa, entitulado o Subodhinī. Vallabha fundou a seita do Puṣṭimārga (“caminho da nutrição”), agora situado em Nathdwara, no Rajastão. O seu sistema filosófico, chamado de Śuddhādvaita (não-dualismo puro), toma o nome da sua visão de que não há dualismo entre o Brahman real, e o mundo irreal. Uma vez que ambos são completamente reais, ele nega que possa ter qualquer tipo de dualismo ontológico do real e irreal entre os dois, portanto ele é não dualismo “puro”. Obviamente, isso se refere a visão da escola Advaita, em que o mundo fenomênico não é real em sentido último, sendo então uma tentativa inteligente de reapropriar-se da valiosa insígnia “Advaita”, para sua própria escola. Todavia, a este respeito todos os Bhedābhedavādins talvez reivindiquem o nome Śuddhādvaita, uma vez que todos eles declaram a realidade do mundo fenomênico.

e. Caitanya
Caitanya foi outro teólogo/filósofo Vaiṣṇava do medievo, famoso por uma escola de pensamento conhecida como Acintya Bhedābhedavāda (Inconcebível diferença e não diferença). Apesar de Caitanya jamais ter escrito seus ensinamentos, numerosos seguidores escreveram trabalhos baseados na filosofia dele, tal como Jīva Gosvāmin, autor de um bem conhecido comentário sobre o Bhāgavata Purāṇa. Esta noção sistêmica de “inconcebível” (acintya) é um conceito central usado para reconciliar as noções aparentemente contraditórias, tais como a simultânea unidade e multiplicidade de Brahman, ou a diferença e não-diferença de Deus e seus poderes. A tradição do Acintya-Bhedābheda é comumente conhecida como Gaudīya Vaiṣṇavismoestando concentrada  no estado da Bengala Ocidental. Quiçá, a ramificação mais famosa desta tradição seja a ISKCON, mais popularmente conhecida no Ocidente pelo nome de “Hare Krishnas”.


f. Vijñānabhikṣu
O último grande pensador Bhedābheda na Índia pré-moderna, foi Vijñānabhikṣu (séc. XVI), não seguindo o caminho de Bhakti. Vijñānabhikṣu procura mostrar a unidade múltipla das escolas do Vedānta, Sāṅkhya, Yoga, e Nyāya, e seus mais bem conhecidos textos hoje em dia são os comentários sobre o Sāṅkhya e textos de Yoga. No seu inovador sub-comentário do Yoga Sūtra de Pātañjali, Vijñānabhikṣu argumenta que o Yoga é o mais efetivo meio de liberação, apesar de ele nunca repudiar a moldura metafísica do Bhedābheda em seus escritos anteriores (Nicholson 2010). Vijñānabhikṣu foi um teísta quem considera Viṣṇu Deus supremo. No seu comentário sobre o Sāṅkhya Sūtra, ele argumenta que a escola Sāṅkhya requer um deus onipotente tendo em vista causar a união dos seus dois princípios fundamentais, a natureza primordial (prakṛti), e a consciência pura (puruṣa). Vijñānabhikṣu fundamenta as suas reinterpretações nos conceitos bases no Sāṅkhya e na metafísica do Bhedābheda. Nos seus escritos anteriores, como o seu comentário sobre o Vedānta Bhedābheda no Brahma Sūtras, ele entende os conceitos de diferença e não-diferença em termos de separação de não-separação (Ram, 1995). Embora para ele a relação fundamental do ser individual e o Brahman é una da não-separação, a análise do Sāṅkhya-yoga, da independência individual como múltipla e separada um do outro é correta, tanto quanto isso é entendido que este estágio de separação é temporário, e fortuito. Embora a aceitação das colocações do Sāṅkhya-yoga coloca Vijñānabhikṣu em divergência com alguns Bhedābhedavādins anteriores, ele continua a tradição de Bhāskara, na sua crítica incisiva aos Advaita Vedāntins, a quem ele descreve como “crypto-budistas” (pracchannabauddha) e “Vedāntins apenas em nome” (vedāntibruva).

2. Ontologia
Uma das mais notáveis diferenças entre o Bhedābheda Vedānta e Advaita Vedānta (Monistic) é a visão na existência de um mundo fenomênico. Enquanto o Advaita sustenta que o mundo fenomênico é no final irreal (mithyā), e que apenas existe o Brahman, os pensadores do Bhedābheda insistem de que o mundo fenomênico é real, e de modo algum é ilusório. Nesta afirmação básica eles estão alinhados com a maioria das escolas filosóficas indianas, incluindo as escolas do não-dualismo qualificado como o Viśiṣṭādvaita Vedānta, o Dvaita Vedānta, Nyāya, Sāṅkhya, e Mīmāṃsā. Ainda que os Advaita Vedānta citem certas passagens dos Upaniṣaḍs como suporte da noção de que o mundo é aparentado com uma miragem ou truque mágico, os Bhedābhedavādins acusam os Advaitas de tomarem emprestada a ideia da “mente única” (cittamātra), da escola budista, e frequentemente empregam o cognome de “crypto-budismo” (pracchannabauddha) para referirem-se ao Advaitas.

 a. Parte e Todo
Bhedābhedavādins entendem a relação entre o Brahman e as almas individuais como sendo uma relação entre um todo e suas partes. Eles frequentemente empregam exemplos regulares para ilustrar esta relação. Alguns dos mais comuns são o fogo e suas fagulhas; o sol e o seus raios, um pai e seus filhos, e o oceano e as suas ondas. Cada um destes são exemplos da relação da parte com o todo, os quais são também uma variedade de diferença e não-diferença (Bhedābheda). Assim, para tomar um exemplo, as fagulhas que fora do fogo são tanto as mesmas como deferentes dele. Elas são idênticas na medida em que vieram do fogo, e são constituídas das mesmas substâncias como o fogo. Mas elas são também distintas do fogo original, uma vez que ocupam pontos separados no espaço. Embora os quatro exemplos, cada um ilustrando uma diferente relação (e que pode parecer não fazer sentido para compreender um filho como “parte” de seu pai), os Bhedābhedavādins citam estes exemplos familiares do mundo físico, tendo em vista irradiar luz sobre a verdadeira relação metafísica entre o Brahman e os seres individuais. Embora cada um talvez capte algum aspecto da relação, inevitavelmente elas são meras aproximações, exigindo mais comentários e análises. Os Advaita Vedāntins tem em vista a caracterização do ser individual como uma parte, e caracterizam o Brahmam como sem partes. Todas as escolas do Vedānta aceitam os Vedas como a autoridade epistêmica última, e os argumentos das Escrituras jogam uma grande parte das disputas intra-vedāntins. Os Advaita apontam que tanto os Upaniṣaḍs e o Brahma-sūtras dizem que o Brahman é sem partes (niravayaya, niṣkala). Além disso, a asserção de que o Brahman possui partes parece desafiar a lógica. É inconcebível que o Brahman possa ser composto de partes, para coisas que são feitas de partes são dependentes delas, e impermanentes. Os Advaitas oferecem seus próprios estoques de exemplos para mostrar que o Brahman não pode ser dividido, e que qualquer semelhante divisão é puramente uma limitação artificial numa entidade indivisível. Por exemplo, os Advaita comumente comparam o Brahman ao elemento chamado “espaço” (ākāśa). De acordo com a tradicional ciência na Índia, o espaço é um elemento que é onipresente no mundo, assim como todos os vedāntins concordam que Brahman é onipresente. Embora nós possamos falar sobre o espaço como estando delimitado (o espaço dentro de uma sala; o espaço fora de um pote), tais limitações do espaço são puramente acidentais, e não essenciais ao elemento em si mesmo. Talvez aparente para um observador que o espaço dentro de um pote e o espaço fora do pote seja duas entidades diferentes, mas isso é um mal entendimento da natureza fundamental do espaço.

Os Bhedābhedavādins permitem-se apelar para a autoridade textual para a ideia de que a relação entre o Brahman e o ser individual é uma relação entre o todo e suas partes. No Brahma Sūtra, 2.3.43, o ser individual é referido como uma “parte” (aṁśa), e os Bhedābhedavādins citam esta passagem não importando quando a eles é requisitado um apoio textual para a visão deles. No entanto, os Advaitas pegam esta descrição da relação como figurativa, e não como descrição literal do status do ser individual. De outra forma, esta passagem irá conflitar com o Brahma-sūtra 2.1.26, a qual diz que o Brahman é “sem partes” (niravayaya). Para o Advaita, a palavra mostra-se como “se” existisse em partes. Mas quando é entendida corretamente, toda a multidão de entidades no mundo são vistas como falsas; uma única, sem partes, ou Brahman que permanece. Os Bhedābhedavādins em suas declarações da realidade fenomênica do mundo insistem que a multiplicidade é real. O Brahman é simultaneamente uno e muitos, dependendo da perspectiva da qual ele é visto, assim como o oceano pode ser descrito como um ou muitos, dependendo da perspectiva da qual ele é descrito. Os Bhedābhedavādins mantêm que, sendo feito de partes, o Brahman de forma alguma diminui a sua perfeição, assim como a existência das ondas do oceano de forma alguma diminuem a quantia de água nele.

b. Aupādhika e Svābhāvika Bhedābheda
Todos os Bhedābhedavādins mantêm a realidade do mundo fenomênico e a multiplicidade individual independente. Todavia, alguns pensadores Bhedābheda aproximam-se ao lado da posição Advaita, argumentando de que apesar de a multiplicidade ser real em algum modo é menos real que a unidade absoluta do Brahman, o pensador Bhedābheda Bhāskara exemplifica esta tendência de reduzir o status ontológico ao mundo fenomênico, embora ainda mantendo sua realidade. A filosofia de Bhāskara é um exemplo de Aupādhika Bhedābhedavāda (“Diferença e não-diferença baseado nas condições limites”) De acordo com Bhāskara, o uno, o Absoluto Brahman torna-se finito e múltiplo através das condições limitantes (upādhis). Assim como um diamante puro aparenta ser vermelho quando colocado próximo a uma flor vermelha, assim, também, o Brahman Absoluto mostra-se finito quando é transformado nas condições limitantes. Esta transformação é algo real; a realidade do ser individual é finita, estando sujeita à ignorância, sofrimento e ao cativeiro, uma vez que é filtrada através das condições limitantes. Embora o ser individual seja real como diferenciado do Brahman, para Bhāskara a diferença é meramente um estado temporário. No seu estado natural, o Brahman é um e não muitos. Ainda ele submeta-se a limitações para tornar-se finito, a meta última do indivíduo é realizar o seu estado absoluto. A liberação é precisamente o remover de tais condições limitantes.

Numa outra extremidade do espectro do Bhāskaras Aupadhika Bhedābhedavāda está a filosofia de Nimbārka ou Svābhāvika Bhedābheda (Natural Diferença e não diferença). Para Nimbārka o Brahman é diferente e não-diferente, não pelo fato das condições limitantes, mas contém ambos, diferença e não-diferença, como sua natureza essencial. Junto com Yādavaprakāśa, Nimbārka chega perto da sustentação de que tanto a diferença e não-diferença são igualmente estados reais do Brahman. A tendência entre a maioria dos Bhedābhedavādins, no entanto, é subordinar a diferença à não-diferença. Embora a diferença seja um estado real que Brahman se submete, na medida em que ele se transforma dentro de múltiplos seres individuais. Nessa forma, a escola do Bhedābheda Vedānta muitas vezes se aproxima mais da escola do Advāita Vedānta do que da Dvaita Vedānta.

3. Causalidade
a. Pariṇāmavāda (teoria da transformação real)
Proximamente relacionado a ontologia do Bhedābheda Vedānta, está a teoria da causalidade. Os Vedāntins do Bhedābheda endossam a teoria do Pariṇāmavāda, a qual expressa que o mundo fenomênico é uma transformação real (pariṇāma), da causa material do mundo. Eles dividem esta teoria com a da escola do Sāḥkya de filosofia, bem como com a maioria das outras escolas do Vedānta. A maior diferença entre a teoria Vedāntica do Pariṇāmavāda e a do Sāṅkhya também Pariṇāmavāda, é o entendimento do que constitui a causa material do mundo. Para o Sāṅkhya, a natureza primordial (prakṛti) transforma-se em si mesmo dentro do mundo fenomênico. O princípio da natureza primordial é completamente insenciente, e o processo de transformação que cria o mundo é um processo cego e completamente automático. Para os Bhedābheda Vedāntins, o Brahman é tanto a causa material como eficiente do universo. O Brahman, ao contrário da visão do Sāṅkhya sobre a prakṛti, é senciente. Todavia, tanto o senciente (almas individuais), e o insenciente (coisas físicas), têm a sua origem no Brahman, de acordo com os Bhedābhedavādins. Apesar da sua aparente proximidade com a escola Sāṅkhya, sobre o assunto da causalidade, pensadores anteriores do Bhedābheda, tais como Bhāskara, empregou esforços para criticar a noção da prakṛti do Sāṅkhya, acusando-a de ser tanto contrária às escrituras bem como à lógica. Pensadores do Bhedābheda, um pouco depois, tomaram uma visão um pouco mais flexível sobre o Sāṅkhya. O mais notável destes foi Vijñānabhikṣu (séc. XVI), quem argumentou pela unidade final do Sāṅkhya e a doutrina Bhedābheda Vedānta.

b. Vivartavāda (teoria da manifestação irreal)
Mais uma vez, isso é um contraste usual das doutrinas da escola Bhedābheda com o Advaita Vedānta. O Advaita Vedānta mantém a doutrina do Vivartavāda, a qual expressa que o mundo é uma manifestação irreal (vivarta) de Brahman. O Advaita, como outras escolas do Vedānta, indentifica o Brahman tanto como causa material como eficiente. Mas para os Advaitas, o Brahman é a causa de um efeito irreal. Apesar de o mundo poder ser descrito como convencionalmente real (paramārthasat), os Advaita afirmam que os efeitos do Brahman devem no final serem conhecidos como irreais, antes de o ser individual poder ser liberado. Apesar de a teoria do Vivartavāvada ser tradicionalmente aceita como uma teoria comum em toda as escolas do Advaita, alguns historiadores têm questionado isso, observando passagens em trabalhos de Śaṅkara, o fundador do Advaita, como aparentando estar próximo da teoria do Pariṇāma (Hacker 1953: pp. 24ff.; Rao 1996: pp. 265ff.). Isso é devido, provavelmente, ao fato de que a teoria do Vivartavāda é uma teoria que surge gradualmente da teoria vedāntica anterior do Pariṇāmavāda, em vez de saltar plenamente formada fora da cabeça de Śaṅkara. Isso, também, sustenta periodicamente que algum Bhedābheda Vedāntin chega perigosamente próximo da visão Advaita do mundo fenomênico, como apenas convencionalmente real, na medida em que o Advaita muitas vezes enfatiza, que a multiplicidade é não-natural; um estado temporário.
                                                 

c. Satkāryavāda (teoria do efeito pré-existente)
As propostas de ambas as teorias Vedānta da causalidade, Pariṇāmavāda Vivartavāda, justificam-se por citar um passagem central do Chāndogya Upaniṣad  6.1.4-5. Nela, o sábio Āruṇi descreve a natureza da causalidade para seu filho, Śvetaketu, usando o exemplo da relação entre o barro e um pote:

“ é como isso, filho, pelos meios tais, com um pedaço de barro alguém pode perceber tudo feito de barro – a transformação é um identificador verbal, um nome – enquanto a realidade é como isso: ‘isso é barro’. É como isso, filho. Por intermédio de uma quinquilharia de cobre alguém percebe tudo como feito de cobre – a transformação é um identificador verbal, um nome – enquanto a realidade é apenas isso, ‘é cobre’”. (Olivelle 1996: 148)

Esta passagem usa os exemplos de uma causa material cotidiana, o barro ou o cobre, espalhando luz sobre a natureza da causa e efeito. Ela expressa a doutrina do Satkaryavāda, a qual diz que o efeito pré-existe em suas causas. Todos os Vedāntins assinam esta teoria – as doutrinas da transformação real (pariṇāma) e transformação irreal (vivartavāda), podem ser entendidas como duas diferentes versões da teoria do Satkāryavāda. De acordo com o Satkāryavāda. O pedaço de barro não deixa de existir quando ele é transformado num pote, um copo, um prato, ou algo semelhante, apenas é repassado por algo inteiramente novo. Apesar da forma do barro ter mudado, sua essência, a sua “barroeidade” permanece. A mesma lógica se aplica a tudo causado por Brahman. O mundo inteiro, em todas as suas muitas formas, apesar de tudo reparte a mesa essência, como sendo Brahman. Esta visão, às vezes como uma teoria anterior da conservação da matéria, sugere que nada que se sucede no universo é completamente novo, mas apenas uma transformação de alguma causa material anterior. Nada pode ser criado ex nihilo. Nesta crença, os Vedāntins estão em conflito com as escolas Budistas e Nyāya, que por razões distintas, argumentam que o efeito não pré-existe na causa.

Apesar de os Bhedābheda Vedāntins e os Advaita Vedāntins possuírem a teoria do Satkāryavāda em comum, eles divergem quando perguntamos do status característico do efeito. É o efeito uma transformação real (pariṇāma) da causa, ou meramente uma manifestação irreal (vivarta)?  A passagem no  Chāndogya Upaniṣad 6.1.4-5 tem sido interpretada nos dois modos. Os Advaitas enfatizam a o nominalismo aparente, expressado por Āruṇi nesta passagem: “a transformação é um identificador verbal, um nome – enquanto que a realidade é apenas isso: ‘isso é cobre’”. Isso talvez sugira que o efeito é irreal, e apenas a causa é verdadeiramente real. Mas os Bhedābhedavādins veem esta passagem como simplesmente outra instalação do princípio da diferença e não-diferença, assim como isso é ilustrado pelos exemplos de um fogo e suas fagulhas, ou do sol e seus raios. Desta perspectiva uma, focando-se na substância, nós podemos dizer que todos os vários copos, pratos, xícaras, são unos – eles são todos barro. Todavia, ao mesmo tempo, eles foram transformados pelo fazedor de potes em diferentes formas, múltiplas em números, ocupando diferentes pontos no espaço. Nesta perspectiva, os efeitos são reais. Assim como muitos potes, pratos e xícaras são simultaneamente diferentes e não diferentes do Brahman, a causa material original.

4. Teologia e Soterologia
a. Deus no Bhedābhedavāda

No período Medieval, o Bhedābheda Vedānta ficou estreitamente associado com o teísmo em geral, e o movimento de Bhakti, devocionalismo, em particular. Tem razão para que Bhaktas tais como Vallabha e Caitanya construíssem os fundamentos dos seus sistemas teológicos sobre os conceitos seculares do Bhedābheda. Como as escolas de Rāmānuja e Madhava, o Bhedābhedavāda é uma escola realista. Enquanto que na escola Advaita mesmo Deus é entendido como no final das contas irreal, uma vez que Ele é também meramente uma limitação de Brahman, pela condição artificial de nobreza. Certos tipos da filosofia Bhedābheda podem acomodar um Deus real na sua forma qualificada (saguṇa). Embora num determinado patamar um Advaita possa manifestar um crença em Deus, ele não conhece a natureza última de Brahman, destituído de qualidades (nirguṇa). Tal Deus é, no final das contas, insatisfatório para aqueles cujo interesse primário é a devoção – em qualquer sistema do Advaita, a devoção ocupa uma posição inferior ao conhecimento puro. Por outro lado, muitos adoradores também são insatisfeitos com a inflexível noção da escola Dvaita, no sentido em que eles consideram-se completamente separados de Deus, e que no final, a unificação última com Ele é impossível. Tanto o Bhedābheda como o Viśiṣṭādvaita, oferecem a possibilidade de uma ponte entre duas alternativas, oferecendo tanto a alternativa de um Deus real, possuindo qualidades, e a possibilidade de uma participação pessoal nesta divindade.

b. conhecimento combinado com atos rituais conduzem à liberação
Além da insistência de que o mundo fenomênico é uma transformação real (pariṇāma) do Brahman, outra visão espalhada pelos Bhedābhedavādins é a necessidade de atos rituais em combinação com o conhecimento (Jñānakarmasamuccayavāda) tendo em vista obter a liberação. Bhāskara dedica bastante no começo de seus comentários sobre o Brahma Sūtra para criticar a visão de Śaṅkara, de que apenas o conhecimento por si é o suficiente para alcançar o Brahman, enquanto alguém realiza os requisitos rituais no estágio inicial. Embora as polêmicas hoje entre os Vedāntins são usualmente retratadas somente em termos filosóficos ou teológicos, isso sugere acima de tudo, que os novos ensinamentos de Śaṅkara foram vistos como por outros Vedāntins do séc. VIII como uma séria ameaça para a ordem social dos rituais. Os argumentos de Bhāskara a favor do ritualismo Brahmínico são uma importante lembrança da continuidade entre o Vedānta anterior e o Pūrva Mīmāṁsā (exegese prévia) a escola de hermenêutica ou interpretação ritualística. As duas escolas estão assim próximas dos escritos em Sânscrito na índia pré-moderna, que tipicamente referem-se ao Vedānta pelo nome “Brahma Mīmāṁsā” (Exegese do Brahman) ou “Uttara Mīmāṁsā” (Exegese posterior), enfatizando a importância central da interpretação védica para todos os pensadores Vedāntins.

A noção de Bhakti encontra um lar no Bhedābhedavāda, uma vez que o Bhedābheda toma a atividade no mundo (karma) seriamente, crendo que as atividades no mundo são reais, e produzem efeitos reais. Mas não se deve pensar que todos os Bhedābhedavādins foram proponentes de Bhakti. O Bhedābheda de Bāskara não tinha preocupação no todo com Bhakti. Em vez disso, Bhāskara usa a terminologia conceitual do Bhedābheda como um apologista conservador, para defender a importância ritual Brahmínica do ritual, uma rejeição radical da visão de Śaṅkara, quem rejeitava a eficácia última dos rituais. É apenas com Nimbārka, um pensador Bhedābheda, fortemente influenciado pelo sistema de Bhakti de Rāmānuja, que nós vemos a união plena da adoração Bhakti com o Bhedābhedavāda. Mesmo Índia medieval do norte, onde o Bhakti teve influências e se expandiu, nem todos os Bhedābhedas eram bhaktas. Vijñānabhikṣu, por exemplo, esteve mais interessado em expor uma modificação, uma forma de Bhedābheda Vedānta no Yoga de Patañjali, do que ter algum proselitismo para o caminho da devoção. Tal flexibilidade no aparato filosófico do Bhedābheda, permitiu que ele sobrevivesse como tradição por cerca de 1500 anos, num número de vários contextos históricos diferentes. Apesar de que no período moderno o Bhedābheda Vedānta foi eclipsado em popularidade pela interpretação neo-Vedānta da filosofia do Advaita Vedānta, sua linhagem continua hor entre os cultos tradicionais nas religiões das comunidades Puṣṭimārga e Gauḍīya Vaiṣṇavas. E, pela primeira vez ao longo de sua história de XXI séculos do Bhedābheda Vedānta, ele começa a receber a atenção e merecimentos entre os historiadores, filósofos, e teologistas fora da Índia.

5. Referências e Leituras recomendadas

Bhāskara (1903). Brahmasūtrabhāṣyam, ed. Pandit Vindhyeshvari Prasada Dvivedin. Benares: Chowkhamba Sanskrit Book Depot.
Dasgupta, Surendranath (1922). A History of Indian Philosophyvol III. Delhi: Motilal Banarsidass.
Hacker, Paul (1953). Vivarta: Studien zur Geschichte der illusionistischen Kosmologie und Erkenntnistheorie der Inder. Wiesbaden: Franz Steiner Verlag.
Kapoor, O.B.L (1976). The Philosophy and Religion of Sri Caitanya. Delhi: Munshiram Manoharlal.
Marfatia, Mrdula I. (1967). The Philosophy of Vallabhācarya. Delhi: Munshiram Manoharlal.
Nakamura, Hajime (1989). A History of Early Vedānta Philosophy, part 1. Delhi: Motilal Banarsidass.
Nicholson, Andrew J. (2010). Unifying Hinduism: Philosophy and Identity in Indian Intellectual History. New York: Columbia University Press.
Oberhammer, Gerhard (1997). Materialien zur Geschichte der Rāmānuja-Schule III:Yādavaprakāśa, der vergessene Lehrer Rāmānujas. Wien: Verlag der Osterreichische Akademie der Wissenschaften.
Olivelle, Patrick, translator (1996). Upaniṣads. New York: Oxford University Press.
Ram, Kanshi (1995). Integral Non-Dualism: A Critical Exposition of Vijñānabhikṣu’s System of Philosophy. Delhi: Motilal Banarsidass.
Rao, Srinivasa (1996). “Two ‘Myths’ in Advaita,” Journal of Indian Philosophy vol. 24: pp. 265-279.
Smith, Frederick M. (2005). “The Hierarchy of Philosophical Systems According to Vallabhācārya,” Journal of Indian Philosophy vol. 33: pp. 421-453.
Srinivasachari, P.N. (1972). The Philosophy of Bhedābheda. Madras: Adyar Library.

Informação sobre o autor

Andrew J. Nicholson
Stony Brook University
Department of Asian and Asian American Studies
O artigo no original, em inglês: IEP - Internet Encyclopedia of Philosophy